Construído com o aval de um expressivo número de deputados federais e senadores, o governo interino de Michel Temer (PMDB) ainda não “acertou os ponteiros” com o Congresso Nacional, dois meses após a saída de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.
Atrapalhado com nomeações fracassadas para a Esplanada dos Ministérios e por uma Câmara dos Deputados sem comando efetivo desde a chegada de Waldir Maranhão (PP-MA), Temer não aproveitou ainda a massa de políticos que, favoráveis ao impeachment de Dilma, demonstraram disposição, ao menos em tese, para dar sustentação ao peemedebista, inclusive para a aprovação de medidas amargas.
Sem ter certeza sobre seu próprio futuro no cargo, o presidente interino não só adiou parte das matérias impopulares que entrariam no Legislativo como também deu apoio ao aumento de despesas significativas, como o reajuste do funcionalismo e o alívio às dívidas dos estados. A postura, contraditória em relação ao discurso de austeridade vendido desde maio, chegou a ser criticada por parte dos aliados.
Mas, para o professor da PUCPR Mário Sérgio Lepre, mestre em Ciência Política, não havia outra saída para Temer. “Ao contrário do governo Dilma, ele tem governabilidade sim, inclusive montou um gabinete de governabilidade, dividindo a responsabilidade com o parlamento, mas a interinidade não é uma lua-de-mel. Na verdade, ele está “pisando em ovos” o tempo todo para não criar arestas com ninguém.”
Para Lepre, Temer não tem “estofo político” para enfrentar, por exemplo, o corporativismo do servidor público. “É um sistema extremamente complexo. E o Temer não é o Lula de 2007, que tinha estofo político para fazer uma reforma de Estado, embora não tenha feito”, diz.
Sem consenso
Na última semana, a equipe econômica de Temer chegou a anunciar uma revisão no auxílio-doença e na aposentadoria por invalidez, na linha do discurso austero inicial. Ao mesmo tempo, a propalada reforma geral da previdência foi aparentemente para a gaveta. Sem consenso, o governo desistiu de definir um prazo para apresentar ao Legislativo as novas regras. À imprensa, Temer tem se esquivado: pautas mais complexas, declarou ele, devem ganhar corpo “no momento oportuno”.
“O período de interinidade é estratégico mesmo, somente de sinalizações”, afirma Lepre. Para ele, contudo, se confirmado de forma definitiva no cargo, Temer deve investir em medidas amargas. “A discussão sobre privatizações ficará mais forte e tenho a impressão de que haverá aumento de tributo.”
Sucessão de Cunha e agenda pessoal de Renan atrapalham planos do Planalto
Às vésperas do recesso branco no Congresso Nacional, marcado para daqui uma semana, o cenário permanece desorganizado para Michel Temer. Enquanto a Câmara dos Deputados está completamente voltada para a eleição do novo presidente da Casa, que ocorrerá na quarta-feira (13), Renan Calheiros (PMDB-AL) reservou uma espécie de pauta pessoal para a última semana de trabalhos no Senado. A ideia do presidente da Casa é votar a legalização dos jogos de azar e a polêmica proposta sobre abuso de autoridade.
Assim, na previsão dos parlamentares, já ficaram para o mês de agosto, por exemplo, matérias consideradas importantes, como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) – mecanismo que autoriza o governo federal mexer livremente em parte de suas receitas – e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria um limite para gastos públicos. O novo texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que prevê um rombo de R$ 139 bilhões no caixa da União no ano de 2017, também deve ficar para agosto.
No retorno das atividades, em agosto, a expectativa do Planalto é que haja um novo presidente na Câmara dos Deputados, capaz de dar ritmo às votações de matérias do governo federal. Na volta, contudo, Temer corre o risco de encontrar um Legislativo com outras prioridades, como eleições municipais, etapa final do processo de impeachment de Dilma Rousseff e votação do pedido de cassação de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Crise vai continuar, prevê economista
Para o economista Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília (UnB), nos dois meses de governo Temer, o que causou “mais perplexidade” foi o tamanho do déficit orçamentário autorizado pelos parlamentares, de R$ 170 bilhões para 2016. “Depois ficou claro que o rombo embutia uma sobra de recurso para ser utilizada como parte do plano e das negociações para a interinidade se tornar definitiva”, analisa ele. A alteração da meta fiscal no orçamento deste ano foi a primeira vitória importante para o Planalto no Congresso Nacional.
Piscitelli afirma que não tem uma visão otimista sobre o futuro do governo Temer, se o impeachment de Dilma Rousseff se confirmar no Senado. “Acho que a crise é estrutural, não só conjuntural, e a política continua instável. Uma coisa é conseguir aprovar meta fiscal, outra coisa é aprovar reformas estruturantes com uma base aliada dispersa e oportunista”, afirma ele.
Segundo ele, um erro de Michel Temer na relação com o Legislativo durante os dois meses de interinidade foi justamente dar força à bancada do “centrão”, um conjunto de 13 partidos políticos que abrigam a maior parte do chamado “baixo clero”, políticos de pouca ou nenhuma expressão nacional e que detêm uma agenda conservadora.
“Isso terá um custo mais para frente. As exigências do centrão são crescentes”, acredita o economista. Afinadas com o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), as legendas do “centrão” conseguiram emplacar o líder do governo na Casa, André Moura (PSC-SE), cargo responsável pela articulação entre Planalto e Legislativo.
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