Na África do Sul, anistia não foi geral e irrestrita
O possível recuo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva da disposição de investigar apenas as violações de direitos humanos cometidas pela repressão política na ditadura 1964-1985 remete a outro processo político relativamente recente: o da África do Sul.
Operação abafa
Aborto e crimes de militares são prioridades para mudanças
Na tentativa de encerrar a crise aberta com o lançamento do Programa Nacional de Direitos Humanos, o presidente Lula já elencou dois pontos prioritários para serem modificados: a proposta que prevê a investigação de crimes praticados por agentes do Estado durante a ditadura e a que defende a descriminalização do aborto. A mudança do primeiro ponto tem por objetivo acalmar as Forças Armadas. E a segunda alteração poria panos quentes no conflito aberto com a Igreja Católica, que tem setores historicamente ligados ao PT.
Diante do recuo do presidente Lula em levar adiante os pontos polêmicos do recém-lançado Programa Nacional de Direitos Humanos e da recusa da base governista no Congresso em discutir assuntos espinhosos em ano eleitoral, vai sobrar para o Judiciário decidir sobre a divergência que iniciou a implosão do plano: a revisão da Lei da Anistia.Está no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, apresentada em 2008 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedindo a declaração oficial de que a Lei de Anistia "não se estende a crimes comuns praticados por agentes da repressão contra opositores políticos durante o regime militar. A OAB argumenta que tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade e, portanto, não podem ser objeto de anistia.
A ação, caso seja acatada pelo STF, mudará a interpretação da lei, permitindo que agentes do Estado que perseguiram, torturaram e mataram militantes de esquerda durante a ditadura militar (1964-1985) possam ser processados por seus crimes. O STF, que espera um parecer da procuradoria-geral da República sobre a Lei de Anistia, deve discutir neste ano o tema. Assunto da Justiça
"Esse assunto (a revisão da Lei de Anistia) é da Justiça, não é do governo", disse ontem o líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP). "O que o governo tem de garantir é o direito à verdade, tornar público os arquivos da ditadura. Abrir os arquivos é uma posição que eu acho correta, e tem de ser feita. O passo adiante depende da Justiça. Se (o programa) chegar na Câmara na forma que está, vamos aprimorá-lo. Agora, esse não será um debate para 2010."
A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), corroborou a opinião de Vaccareza. Disse que não há consenso na Casa para a discussão de temas como aborto, união civil entre pessoas do mesmo sexo e mudanças na Lei de Anistia.
Estratégia judicial
Como a revisão da Lei de Anistia é cada vez mais remota do ponto de vista político, entidades da sociedade civil e militantes da área de direitos humanos começaram a se articular para pressionar o STF a apreciar rapidamente a ação da OAB.
O grupo, encabeçado pela Associação de Juízes para a Democracia, emcaminhou carta ao presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmando que não há anistia para "torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.O manifesto "Apelo ao STF: não anistie torturadores, lançado há cerca de um mês pela Associação dos Juízes para a Democracia, já reuniu 11 mil assinaturas em favor da investigação dos militares. Entre as personalidades que assinam o manifesto estão o cantor Chico Buarque, o filósofo Leandro Konder, o jurista Hélio Bicudo, o ex-ministro Aloisio Nunes Ferreira e o coordenador do MST, João Pedro Stédile. A carta e o abaixo-assinado também serão enviados ao ministro Eros Grau, do STF, relator da arguição apresentada pela OAB.
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Interatividade
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