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A Comissão de Anistia reconheceu nessa sexta-feira (19) a anistia política a um grupo de índios da etnia Suruí vítimas da ação da ditadura militar durante a Guerrilha do Araguaia. Dos 16 pedidos analisados nesta sexta-feira, a comissão reconheceu 14. Em todos os processos os índios foram utilizados pelos militares para o reconhecimento do território e para servir de apoio nas perseguições aos guerrilheiros.

Ao reconhecer a violação dos direitos dos índios, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, pediu desculpas pela ação do Estado brasileiro. "O conjunto de uma comunidade indígena também foi vítima da ditadura militar e que essa repressão, que aconteceu ao povo que vivia em torno da região da Guerrilha do Araguaia, atingiu não apenas os camponeses, os guerrilheiros, mas também as comunidades indígenas que lá estavam", disse Abrão.

Até hoje, a Comissão de Anistia só havia reconhecido um caso de indígena perseguido pela ditadura. Segundo Abrão, a iniciativa abre espaço para que a história seja recontada. "O que era apenas uma presunção, agora é certeza e a história tem que ser recontada para dizer que indígenas também foram atingidos pela repressão", disse.

Os índios anistiados habitam a aldeia Soror, na Terra Indígena Aikewara, localizada entre os municípios de Marabá (PA), São Geraldo do Araguaia (PA), São Domingos do Araguaia (PA) e Brejo Grande do Araguaia (PA). No período da Guerrilha do Araguaia, o contato dos suruí com os "brancos" era recente, feito a partir da década de 50 do século passado e intensificada na década de 1960. "Quando estourou o problema da questão política daquela época, o meu povo estava com pouco tempo de contato", disse à Agência Brasil, o índio Winurru Suruí, neto de um dos anistiados. "Eles ficaram em cárcere privado dentro da aldeia, não podiam sair, não podiam caçar, o estoque de alimentação foi destruído. Dentro da aldeia montaram uma base na qual o Exército ficou de 1971 a 1973 e alguns indivíduos adultos foram requisitados para ajudar [nas ações]. Poucos indígenas entendiam o português, apenas um que era o tradutor", complementou.

O movimento guerrilheiro no Araguaia começou no fim dos anos 60 para lutar contra a ditadura militar. Organizado por pessoas ligadas ao PCdoB, o grupo acabou constituindo o primeiro movimento que enfrentou o Exército durante o regime militar. Foram utilizados mais de 3 mil militares no conflito, que durou de 1972 a 1975. Mais de 60 pessoas morreram e muitos corpos continuam desaparecidos. Para chegar ao reconhecimento, a Comissão de Anistia analisou documentos, depoimentos prestados pelos índios ao Ministério Público Federal e dos próprios indígenas.

A presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Assirati disse que o reconhecimento da exploração dos Suruí pelos militares foi histórico. "Pela primeira vez, em 13 anos, [o Estado] reconhece o processo de vitimização de uma comunidade indígena, de um povo indígena em função de atos de exceção praticados pela Estado brasileiro no período da ditadura militar", disse.

Um dos índios, Marahy Suruí, hoje com mais de 80 anos, ficou surdo e tuberculoso em consequência das condições em que ficou. Somente em 2010, eles decidiram entrar com o pedido, por receio de alguma possível retaliação dos militares. Com o reconhecimento da anistia, cada um dos indígenas vai receber 130 salários-mínimos. "A gente só vai ter a dimensão da importância desse ato, historicamente, se a gente pensar nele como a reparação de um ato do passado, mas também como ponto de inflexão do tamanho da dívida que o Estado brasileiro tem com os povos indígenas", complementou Maria Augusta.

Uma das consequências da ação dos militares foi a retirada dos índios de seu território. Segundo Winurru, apesar da anistia individual, os índios pleiteiam também uma reparação coletiva. "Não foi só esses do processo [na Comissão de Anistia]. Foram todos." Segundo ele, atualmente os índio se encontram em um território de apenas 26 mil hectares (um hectare corresponde aproximadamente à área de um campo de futebol oficial). "Nós eramos da região do Rio Araguaia e agora o rio mais próximo fica a 70 quilômetros", relatou o suruí, complementando que o impacto cultural foi forte, pois, sem acesso ao rio, os índios deixaram de fabricar utensílios de barro e de argila e fazer outras atividades. "Nós eramos canoeiros e hoje só conhecemos canoa da televisão", disse.

De acordo com a antropóloga Iara Ferraz, que estuda há mais de trinta anos os suruí e é responsável por um dos relatórios que embasaram o processo, mais do que a reparação individual, os índios esperam essa "reparação coletiva". Há 40 anos que eles esperam que sejam reconhecidos que eles foram perseguidos, que sofreram muito e sobretudo que eles perderam o território deles. "Tem um plano coletivo, da comunidade, da sociedade toda que sofreu nesse período", disse.

A presidenta da Funai, Maria Augusta Boulitreau Assirati, prometeu que, até o início de outubro, vai entregar ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o processo acrescentando 11 mil hectares no território dos Suruí. "Vamos ter uma reparação estatal completa que reconhece o erro do passado praticado pelo Estado e que busca resguardar o futuro de vocês enquanto povo", disse aos índios.

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