Debaixo de muita polêmica e com uma troca de sala de última hora para escapar de manifestantes, a comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (17) o projeto que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, principalmente no caso de crimes violentos.
Em uma sessão de quase cinco horas, fortemente protegida pela Polícia Legislativa e com acesso permitido apenas a deputados, assessores e imprensa, a comissão aprovou o relatório por 21 votos a 6. Só PT, PC do B e PDT ficaram contra.
O texto é assinado pelo deputado Laerte Bessa (PR-DF), o relator da comissão, mas seu conteúdo final tem como reais patrocinadores o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a bancada do PSDB, especialmente os deputados Carlos Sampaio (SP) e Jutahy Júnior (BA).
Cunha e tucanos fecharam acordo para derrotar o PT e o governo Dilma Rousseff, que são contra a redução da maioridade penal no país.
Com a aprovação na comissão, que era dominada pelas bancadas da bala e religiosa, o texto segue agora para votação no plenário da Câmara, provavelmente no próximo dia 30. Para ser aprovado, é preciso do apoio de pelo menos 60% dos deputados (308 de 513). Caso isso ocorra, segue para análise do Senado.
O texto aprovado tem o objetivo de alterar a Constituição para reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos para os seguintes crimes: hediondos (como estupro, latrocínio, falsificação de medicamentos e prostituição de crianças e adolescentes) ou equiparados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo), homicídio doloso (quando há intenção de matar), roubo qualificado (quando há uso de arma de fogo ou quando é praticado por duas ou mais pessoas, entre outros pontos), lesão corporal grave e lesão corporal seguida de morte.
Conforme já havia sido acordado entre Cunha e os tucanos, a aplicação da redução será automática para esses crimes, sem que haja necessidade de concordância do Ministério Público. Ou seja, caberá aos promotores denunciar ou arquivar o caso de jovens que cometam esses crimes com base no Código Penal. Até então eles eram enquadrados no Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz como punição máxima a internação por até três anos.
O texto aprovado determina ainda que os jovens de 16 e 17 anos cumpram pena em unidades distintas das dos presos adultos e também das dos adolescentes infratores menores de 16 anos. União e Estados ficarão responsáveis em construir esses estabelecimentos. Não há, porém, prazo nem regras para que isso ocorra, nem consequências para eventual descumprimento.
Não haverá, como Cunha havia sugerido, necessidade de que as mudanças sejam aprovadas pela população em referendo. Após aliados se colocarem contra, o presidente da Câmara desistiu da ideia.
Lasca
“Um homem de 16 anos é capaz de entender o que é certo e o que é errado. Quero dizer para vocês que nesse século 21 não podemos dizer que um menor de 16 anos é inimputável, isso é absurdo”, discursou Laerte Bessa, acrescentando: “Minha convicção não é baixar de 18 para 16 anos só, eu queria pegar mais, queria pegar mais uma lasca desses bandidos que muita gente quer proteger porque nunca esteve na rua para enfrentar bandidos e delinquentes dessa natureza.”
O deputado-relator, que fez carreira como delegado da Polícia Civil, citou principalmente o caso da participação de menores de 18 anos no estupro coletivo de um grupo de adolescentes no Piauí. Uma delas acabou morrendo. O caso também foi citado por outros parlamentares favoráveis à redução.
“A meu ver o que estamos fazendo é um agravamento do problema. Nos países em que houve essa redução da maioridade penal, no momento estamos vivendo uma inversão porque não se obteve uma redução da criminalidade, ao contrário”, discursou a deputada Margarida Salomão (PT-MG).
“Se vocês estão querendo atender ao discurso dos locutores de rádio, o discurso de delegados, lembrem-se: Jesus Cristo foi crucificado devido ao clamor das ruas. Se vocês estão com tanto medo da rua, lembrem-se: daqui a quatro anos vai continuar tudo a mesma coisa, vocês estão vendendo à população algo que vocês não vão entregar”, reforçou o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). Ele é dissidente em sua bancada nesse tema.
Petistas e governo tentaram barrar a medida declarando apoio às propostas dos tucanos Geraldo Alckmin (SP) e José Serra (SP) de elevação do tempo máximo de internação dos menores infratores. Mas os deputados do PSDB preferiram fechar um acordo com Cunha em prol da redução.
Contrários à redução argumentam que a medida será considerada inconstitucional por, entre outros pontos, mexer em trechos da Carta Magna que não podem ser alvo de emenda.
Os partidos de esquerda reclamaram ainda que Cunha paralisou as votações em plenário na tarde e início da noite desta quarta para permitir a aprovação do relatório. Pelas regras da Câmara, a abertura das votações no plenário encerraria automaticamente todos os trabalhados das comissões.
Protestos
Despistados com a troca de sala feita de última hora e barrados pela Polícia Legislativa, os manifestantes ficaram no lado de fora da sala, mas fizeram algum barulho durante a sessão. Do lado de dentro era possível ouvir apitos e gritos de “fascistas”.
Os protestos foram organizados principalmente por estudantes da UNE e da Ubes, as entidades representativas de estudantes universitários e do ensino médio, respectivamente. Levada por parlamentares de esquerda, as presidente da Une, Carina Vitral, e da Ubes, Bárbara Melo, conseguiram entrar.
Na sessão da semana anterior, bate-boca entre os estudantes e deputados da bancada da bala acabou em confronto, com o uso de spray de pimenta dentro da sala em que era realizado o encontro.
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