Conclusões
Confira algumas conclusões da Comissão da Verdade:
Vítimas
A ditadura militar fez, comprovadamente, ao menos 434 vítimas: 191 mortos e 243 desaparecidos. Os corpos de apenas 35 foram encontrados posteriormente. O relatório afirma que pode haver mais vítimas da ditadura.
Tortura
Muito mais do que a atitude de alguns radicais do regime militar, a tortura foi uma política de Estado "sistemática" inclusive no início da ditadura, que era tido como um período mais brando. Há provas de que ao menos 1.843 pessoas foram torturadas por agentes do Estado. O número pode estar muito subestimado. Há estimativas que apontam para 20 mil vítimas de tortura.
Militares perseguidos
A comissão identificou 6.591 militares perseguidos durante a ditadura (entre presos, torturados ou processados).
Itamaraty e STF
O Ministério das Relações Exteriores colaborou com a repressão ao perseguir exilados em outros países. A diplomacia nacional manteve contato com outras ditaduras da América do Sul para perseguir dissidentes brasileiros que estavam nesses países. A Justiça de um modo geral, e os tribunais superiores de modo particular (incluindo o STF), também foram coniventes com a ditadura.
Oficiais da reserva
Militares rebatem relatório e dizem que combateram terroristas
Irritados com o relatório da Comissão da Verdade, oficiais da reserva do Clube Militar classificaram como "inócuas" e "facciosas" as conclusões do colegiado. Sobre a proposta de revisão da Lei da Anistia, o general da reserva Sérgio Castro, primeiro vice-presidente do Clube, afirmou não ser uma reivindicação que possa "ser levada a sério". Ele disse ainda que as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura foram provocadas pelo que chamou de "terroristas" de esquerda. "Os dois lados tinham posições opostas e o Estado, provocado pelo terrorismo, teve que se contrapor a essas ações." Já o general Nilton Cerqueira, de 84 anos, um dos 377 citados no relatório, questionou o trabalho da comissão. "Só tenho uma pergunta: sou eu, que cumpri a lei, que violei os direitos humanos? E os terroristas? São o quê? Inclusive, a terrorista que é presidente do país?", em referência a Dilma Rousseff que, durante a ditadura, a presidente Dilma integrou o Colina (Comando de Libertação Nacional) e a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), organizações que defendiam a luta armada contra o regime militar.
A Comissão Nacional da Verdade apresentou ontem seu relatório final responsabilizando 377 pessoas que, a serviço do Estado brasileiro, praticaram graves violações de direitos humanos principalmente durante a ditadura militar (1964-1988). Dentre os citados estão os cinco presidentes-generais da ditadura e 200 agentes do regime que ainda estão vivos. Em suas conclusões, a comissão entende que eles não podem ser beneficiados pela Lei da Anistia e sugere que venham a ser responsabilizados do ponto de vista civil, criminal e administrativo. A Comissão da Verdade ainda propõe o fim das Polícias Militares (PMs) que, segundo o relatório, estão envolvidas atualmente em violações de direitos e práticas de tortura.
A comissão funcionou durante dois anos e meio. Colheu 1.116 depoimentos sobre violações de direitos humanos praticadas pelo Estado de 1946 a 1988 com foco, porém, sobre o período da ditadura. O relatório, entregue ontem à presidente Dilma Rousseff, tem 4,5 mil páginas.
Anistia
Embora o relatório não proponha diretamente a revisão da Lei da Anistia, de 1979, afirma que o Brasil tem de se sujeitar à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2010, responsabilizou o país pelo desaparecimento de participantes da Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. Segundo a comissão, a sentença da corte deixou claro que "as disposições da Lei de Anistia de 1979 são manifestamente incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações de direitos humanos, nem para a identificação e punição dos responsáveis".
Na prática, o relatório recomenda de forma indireta a revisão da lei e, consequentemente, a autorização para abrir processos contra torturadores do regime militar. Teoricamente, isso pode ser feito de duas maneiras: emendando a lei no Congresso ou mudando sua interpretação no Supremo Tibunal Federal (STF) em 2010, a corte havia decidido que a lei continuava válida para todos os casos e que violadores de direitos humanos durante a ditadura não podiam ser punidos.
Mas no Supremo, que hoje tem uma composição diferente da de quatro anos atrás, já há quem defenda uma nova interpretação da Lei da Anistia. O ministro Luís Roberto Barroso disse ontem que o assunto deve voltar à pauta da corte. "O que é preciso saber é se lei é compatível com Constituição e qual a posição que deve prevalecer [se a do STF ou a da Corte Interamericana]."
Desmilitarização
A Comissão da Verdade ainda concluiu que o país precisa de uma polícia mais voltada para os direitos humanos e para o atendimento ao cidadão. E propõe que isso só será alcançado com a desmilitarização das PMs, que ainda mantêm a prática de tortura. O relatório entende que as PMs, como corporações militares, têm como foco a defesa do Estado e não do cidadão. A desmilitarização das PMs, porém, exige mudança na Constituição.
Investigações de crimes da ditadura vão prosseguir, diz Dilma
Em um tom emocionado, a presidente Dilma Rousseff considerou que o conteúdo do relatório final da Comissão Nacional da Verdade não deve ser visto como revanchismo. A presidente recebeu dos integrantes do colegiado o documento.
"A busca da verdade histórica é forma de construir democracia e zelar pela sua preservação. Verdade não significa revanchismo e não deve ser motivo para ódio. Verdade liberta, produz consciência, aprendizado, conhecimento e respeito", afirmou Dilma na solenidade realizada no Palácio do Planalto.
Ela considerou também que o relatório é apenas uma etapa de investigação de violações de direitos humanos durante a ditadura militar. "O relatório que a Comissão Nacional da Verdade apresenta para nós aqui hoje é resultado de intenso trabalho. Eu ao receber esse relatório tenho certeza que ele encerra uma etapa e inicia uma nova".
Ao falar sobre as vítimas de violações, Dilma se emocionou e foi aplaudida pelo público presente. "Reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas duras. Sempre. Sempre reconheceremos e reverenciaremos todos que lutaram pela democracia. Também reconhecemos pactos políticos que colaboraram para a conquista da democracia. Agradeço os familiares dos mortos e desaparecidos que aceitaram contar histórias. O relatório traz grande benefício ao povo, ao assegurar memória histórica. O Brasil já trilha três décadas de democracia empenharemos todas as forças para continuar", ressaltou.
Divergências internas
Apesar de sugerir indiretamente a revisão da Lei da Anistia, membros da Comissão da Verdade divergiram ontem sobre o assunto. Rosa Cardoso afirmou que a necessidade de manter os pactos nacionais, mencionada por Dilma no discurso de ontem, não deve ser entendida como defesa da manutenção da lei. Paulo Sérgio Pinheiro disse não caber à comissão interpretar o que Dilma disse. Já José Paulo Cavalcanti disse concordar com a decisão de 2010 do STF que manteve a Lei da Anistia.
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