Grupo terá 7 membros e 2 anos para trabalhar
A Comissão da Verdade, aprovada na Câmara após delicada negociação com as Forças Armadas e intenso debate no Congresso, terá dois anos para esclarecer graves violações aos direitos humanos cometidas na ditadura militar (1964-1985) desde que o projeto passe no Senado. A intenção do governo é aprovar a criação da comissão no Senado ainda neste mês.
Acordo sobre votação saiu no banheiro
Um local inusitado serviu de cenário para os momentos mais decisivos na negociação que possibilitou a aprovação da Comissão da Verdade no plenário da Câmara Federal na quarta-feira. Com o aumento da tensão entre governo e oposição pondo em risco a tentativa de acordo, os principais interlocutores foram parar no banheiro.
A partir da aprovação da criação da Comissão da Verdade pela Câmara dos Deputados na última quarta-feira, o Brasil vai poder esclarecer crimes cometidos pela ditadura militar (1964-1985), como a morte e o desaparecimento de cerca de 150 opositores do regime. A pesquisadora Glenda Mezarobba, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Justiça de transição, avalia as prováveis consequências da investigação dos crimes cometidos no período e lamenta a falta de interesse da sociedade na questão.
O projeto aprovado pela Câmara é aquele que a senhora gostaria de ver implantado?
Todo projeto poder ser aprimorado, mas esse é razoavelmente bom. Não vejo grandes problemas no projeto.
Há quem critique a Comissão pelo prazo exíguo de trabalho [dois anos] e por não prever punições...
Quando se pensa em Comissão da Verdade, não se está pensando em responsabilidade criminal. Isso se dá em outra esfera da Justiça de transição. A ideia é revelar a completude dos fatos que aconteceram, as circunstâncias, quem são os envolvidos civis e militares. Naturalmente, quando for publicado, o relatório final dará recomendações e os achados serão enviados ao Judiciário.
E quanto ao prazo?
Numa Comissão da Verdade, a experiência mostra que o ideal é ter um prazo para começar e terminar. A força vem deste esforço concentrado em um determinado período. As críticas não se justificam.
Alguém ainda é contra a criação da Comissão?
A maioria da população é indiferente ao tema, o que é lamentável, até porque vivemos numa sociedade muito violenta. Eventualmente, integrantes da reserva das Forças Armadas podem se sentir desconfortáveis. É óbvio que quem violou os direitos humanos não vai gostar de ver o seu nome exposto. A vontade dos criminosos, porém, é o que menos importa.
Qual é a maior importância da Comissão da Verdade?
Se a gente não liga para esse legado de horror, principalmente num país em que a violência é parte da história, a consequência pode ser perigosa. A violência é anterior à ditadura vide a escravidão e persiste ainda hoje, sobretudo, a tortura no aparato policial de repressão. Se a gente não lida com isso [abusos praticados pelo Estado no passado], em alguma medida, estamos aceitando essa impunidade e avalizando essa violência.
A oposição no Congresso fez questão de garantir a neutralidade dos membros da comissão. A que se deve este cuidado?
De acordo com a experiência e com a literatura a respeito, numa Comissão da Verdade o ideal é que não haja um representante das Forças Armadas ou um representante das vítimas. A comissão deve ser constituída por pessoas idôneas que tenham compromisso de respeito com a democracia e com os direitos humanos. E uma comissão também não funciona apenas com seus sete integrantes, envolve uma estrutura muito maior. O importante é que essa estrutura já esteja pronta antes do inicio dos trabalhos.
O que o governo pode fazer para que a comissão dê resultado, como ocorreu em outros países latino-americanos?
As chaves para o sucesso da comissão dependem de quem a presidente Dilma vai escolher para compô-la. E também é preciso que a expectativa seja clara para que não haja frustração. Deve-se esperar o desvelar dos fatos e a sistematização de um panorama abrangente e preciso do período da ditadura. Não se pode esperar que ela entregue punição. Deve ser um espaço para as vítimas e seus familiares narrarem os acontecimentos. Ao final será importante o relatório propondo iniciativas que visem impedir a repetição desses acontecimentos no futuro.
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