Para Teresa Urban, a impunidade dos crimes da ditadura perpetuou a ideia de que crimes contra direitos humanos são toleráveis no país| Foto: Arnaldo Alves/Arquivo/ Gazeta do Povo

Entenda

Saiba como deve funcionar a Comissão da Verdade:

1 Depois de sancionar o projeto aprovado no Congresso, a presidente Dilma Rousseff indicará sete integrantes para a comissão.

2 Os componentes investigarão crimes contra os direitos humanos ocorridos no país entre 1946 e 1985. A ideia, porém, é centrar os trabalhos no período da ditadura militar (1964-85).

3 A comissão recolherá documentos e ouvirá testemunhas durante o prazo de dois anos – tempo que é considerado pequeno para que toda a apuração aconteça.

4 Ao final do prazo, o grupo construirá uma "narrativa" oficial dos fatos da época. No entanto, ninguém poderá ser punido pelos fatos da época, já que a Lei da Anistia impede que isso ocorra.

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A Comissão da Verdade aprovada pelo Congresso Nacional terá de enfrentar vários desafios para realizar o seu trabalho. Alvo de desconfiança tanto de militares quanto de militantes de esquerda, a comissão, que deverá ser criada após a sanção da presidente Dilma Rousseff, precisará provar que tem condições de fazer o trabalho para o qual foi designada.Para o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o primeiro teste da comissão será a nomeação de seus integrantes. Pela lei aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, Dilma terá a atribuição de designar os sete integrantes da comissão, que ficará responsável por investigar crimes contra os direitos humanos cometidos no país entre 1946 e 1988.

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"A credibilidade dos integrantes vai afetar diretamente a credibilidade da comissão", afirma Villa. O historiador lembra que a Comissão da Verdade criada na África do Sul após o fim do apartheid (regime de segregação racial violento imposto naquele país) foi presidida pelo bispo Desmond Tutu, vencedor do Nobel da Paz de 1984. "Aqui, a figura ideal para presidir a comissão seria dom Paulo Evaristo Arns [arcebispo emérito de São Paulo]. É uma pena que a condição de saúde dele não permita", diz.

Pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp, o coronel Geraldo Lesbat Cavagnari afirma que a comissão não deve provocar maiores resistências dentro das Forças Armadas. Em primeiro lugar, porque poucos dos atuais quadros estavam na ativa na ditadura militar (1964-85). Em segundo lugar, porque os trabalhos, na sua opinião, não terão muita repercussão.

"O país está pacificado. A população não tem mais interesse em assuntos da ditadura militar. A economia vai bem, o pessoal quer é saber de emprego e salário", afirma. A repercussão será ainda menor, na visão dos militares, pelo fato de a Lei da Anistia, assinada ainda durante a ditadura, impedir punições a quaisquer crimes políticos cometidos durante o regime.

Para alguns militantes de esquerda, a Lei da Anistia torna a própria existência da comissão questionável. A deputada federal Luiza Erundina (PSB) apresentou neste ano um projeto de lei para tentar revogar a legislação atual. No entanto, a Câmara dos Deputados derrubou a proposta.

"Concordo com a Erundina: a Lei da Anistia, como foi feita no Brasil, foi um grande erro", diz a jornalista Teresa Urban, presa três vezes sob acusação de crimes políticos durante a ditadura militar. "A comissão vai servir apenas para coletar fatos, histórias", alega. Segundo ela, o fato de os crimes da ditadura terem ficado impunes perpetuaram a ideia no Brasil de que crimes contra direitos humanos são toleráveis no país. "O que acontece nas delegacias hoje é decorrência de não termos aproveitado a chance que tivemos de mostrar que o Brasil pune atitudes como essa", afirma.

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