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Figueiredo (esq.) e Geisel, os dois últimos generais presidentes. | Arquivo/ Folhapress
Figueiredo (esq.) e Geisel, os dois últimos generais presidentes.| Foto: Arquivo/ Folhapress

Todos os generais que se tornaram presidentes da República durante a ditadura militar (1964-1985) são autores de graves violações de direitos humanos. A conclusão é da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que, após dois anos e sete meses de trabalho, apresentou hoje seu relatório.

A CNV responsabiliza ainda todos os ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica do período e os chefes do Serviço Nacional de Informações (SNI). Ao todo, a CNV listou 377 pessoas, das quais 359 atuaram durante a ditadura. Outros 18 são de anos anteriores, uma vez que a CNV, embora com foco na ditadura, analisou o período de 1946 a 1988.

A comissão concluiu que a violação de direitos humanos - como a prática de tortura, execuções e desaparecimento forçado - era sistemática, com a cadeia de comando indo até a Presidência da República.

Além disso, fez 29 recomendações, entre elas a revogação parcial da Lei de Anistia, de 1979, para punir torturadores e outros agentes públicos e privados que cometeram graves violações de direitos humanos.

Essa foi a única recomendação em que não houve consenso na comissão: José Paulo Cavalcanti, integrante da CNV, discordou dos cinco colegas, lembrando que, em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade da lei.

Outra recomendação é para que as Forças Armadas reconheçam sua responsabilidade sobre as violações de direitos humanos durante a ditadura, refutando a alegação de que houve só "alguns poucos atos isolados"

Os presidentes Humberto Castello Branco (1964-1967), Arthur da Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979) e João Figueiredo (1979-1985) foram enquadrados numa das três listas elaboradas, apontando os responsáveis por essas graves violações.

Nessa primeira lista, com 53 nomes, estão os militares que tinham "responsabilidade político-institucional pela instituição e manutenção de estruturas e procedimentos destinados à prática de graves violações de direitos humanos". A lista inclui os ministros das três forças e chefes dos centros de informações de Exército (CIE), Marinha (Cenimar) e Aeronáutica (Cisa).

Uma segunda lista, com 88 nomes - quatro deles presentes na primeira - engloba militares e civis que ocupavam cargos de comando mais baixos. Segundo a CNV, eles têm "responsabilidade pela gestão de estruturas e condução de procedimentos destinados à prática de graves violações de direitos humanos".

Estão nesse rol comandantes das unidades das Forças Armadas e dos Destacamentos de Operações de Informações/Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).

Para sustentar a recomendação de revogação da Lei de Anistia, a CNV citou o Direito internacional e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2010, entendeu que a norma é incompatível com Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

"A CNV considerou que a extensão da anistia a agentes públicos que deram causa a detenções ilegais e arbitrárias, tortura, execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres é incompatível com o Direito brasileiro e a ordem jurídica internacional, pois tais ilícitos, dadas a escala e a sistematicidade com que foram cometidos, constituem crimes contra a Humanidade, imprescritíveis e não passíveis de anistia", diz o relatório.

Integrante da comissão, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias afirmou que muitos crimes anistiados em 1979 não são políticos, mas comuns e, assim, imprescritíveis.

"A anistia não se estende aos agentes do Estado que praticaram excessos de violência. Não se trata de revisão da lei, mas de não estendê-la a quem cometeu esses atos. É inaplicável para reconhecer a impunidade", disse Dias.

Mesmo que a Lei de Anistia deixe de abranger esses casos, a chance de haver punição é pequena, diz Cavalcanti. Segundo ele, dos 137 militares que aparecem nas duas listas, apenas sete estão vivos, sendo que o mais velho tem 107 anos e o mais novo, 89.

"Se você considerar que o sujeito vai preso só depois de sentença transitada em julgado em última instância, que demora pelo menos oito anos, o de 107 vai ter 115, os de 94 a 99 vão estar entre 102 e 107, e o mais novinho, com 97. Estamos discutindo isso! É uma pauta falsa", disse Cavalcanti. "Minha percepção é que a transição é coisa do passado. A reconciliação está feita".

A CNV elaborou uma terceira lista, com 258 nomes, mostrando quem teve responsabilidade pela autoria direta de condutas que ocasionaram graves violações aos direitos humanos, ou seja, quem fez o trabalho sujo. Os civis são comuns nesse grupo, embora os militares ainda predominem. São 114 civis (44,2%), principalmente policiais e médicos-legistas. A soma das três listas é superior ao total de 377 pessoas porque alguns nomes se repetem.

Entre os nomes da terceira lista está o capitão do Exército Benoni de Arruda Albernaz, que torturou a então guerrilheira Dilma Rousseff. Há ainda 18 policiais militares responsáveis por execuções antes do golpe de 1964.

Mas, segundo o coordenador da comissão, Pedro Dallari, a violação de direitos humanos antes da ditadura era sistemática apenas em alguns setores, como na política indigenista, em grau bem menor do que ocorreu depois.

O relatório cita casos em que os militares pouco colaboraram. Após a cerimônia de entrega do relatório, no Palácio do Planalto, Dallari disse que houve bom diálogo institucional com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas. Mas frisou que não crê em parte das informações repassadas pelos militares. Na cerimônia, o ministro da Defesa, Celso Amorim, estava presente, mas não os comandantes das três forças.

"Somos céticos em relação à informação que nos foi dada formalmente da destruição de documentos. Não temos nenhum indício claro dessa destruição. Nos dois anos e sete meses de funcionamento da comissão, não apareceu ninguém que tenha nos dito, mesmo reservadamente, que participou dessa destruição e viu essa destruição. Portanto, não acreditamos", disse Dallari em entrevista coletiva.

Dallari citou um episódio para reforçar sua desconfiança. "Estivemos no Hospital Central do Exército há algumas semanas, pedimos que tivéssemos acesso aos prontuários dos pacientes. Nos foi dito que só havia prontuários a partir de 1983. E, dias depois, o Ministério Público, tendo recebido denúncia anônima, faz busca e apreende prontuários médicos anteriores a 1983. Como vamos acreditar que não existem esses documentos?", disse.

A CNV listou 434 nomes de vítimas: 191 mortos, 208 desaparecidos e 35 desaparecidos cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente identificados, três no curso do trabalho da CNV. Frisou também que o número de vítimas é maior, mas foi possível confirmar o nome de 434. A CNV recomendou que sejam apresentadas ações administrativas e judiciais contra os agentes responsáveis por violações de direitos humanos, para que eles venham a ressarcir os cofres públicos.

A CNV também fez recomendações que afetam o sistema penitenciário, as Forças Armadas e as forças de segurança pública, como a desmilitarização da PM e a unificação das forças policiais existentes. Pediu a revogação da Lei de Segurança Nacional, de 1983, quando o Brasil ainda era governado pelos militares. E propôs a criação de um órgão permanente para dar seguimento às suas ações, uma vez que , a ser ver, "não esgotou a possibilidade de obtenção de resultados na investigação das graves violações de direitos humanos ocorridas no período de 1946 a 1988".

A CNV recomendou ainda a cassação de honrarias a agentes públicos ou particulares associados às violações de direitos humanos. Outra recomendação é proibição festejos oficiais para celebrar o golpe de 1964.

Foram listadas 27 unidades militares que funcionaram como centros de repressão, tortura e morte na ditadura além de onze centros clandestinos onde se deram essas violações. São os casos da Casa da Morte, em Petrópolis, e da Casa Azul, em Marabá, no Pará.

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