Câmara deve instalar Comissão Processante para apurar cobrança ilegal de comissionados

Em entrevista coletiva na tarde desta quinta-feira na Câmara Municipal de Campo Mourão, no Centro-Oeste do estado, o presidente da Casa, Pedrinho Nespolo, anunciou a intenção de instaurar uma Comissão Processante para apurar a cobrança compulsória de parte dos salários de servidores nomeados para cargos em comissão na prefeitura da cidade.

Em ofício encaminhado ao Legislativo, o Gaeco se dispôs a disponibilizar cópias dos autos e ressaltou "a necessidade de ser instalada Comissão Especial visando apurar fatos de extrema gravidade" que estão sendo investigados pelo órgão.(CO)

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O Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná, desvendou a ação de uma quadrilha com cargos no alto escalão da prefeitura de Campo Mourão, no Centro-Oeste do estado, especializada em cobrar um percentual de devolução sobre os salários pagos a funcionários comissionados lotados na administração. A investigação vinha sendo realizada desde o 2013.

Implantado desde a posse da prefeita Regina Dubay (PR), o esquema poderia gerar uma arrecadação de 1,7 milhão para a quadrilha durante quatro anos de mandato.

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Um diretor da secretaria municipal de Saúde foi preso em flagrante no final tarde de quarta-feira, acusado de peculato e concussão, quando deixava o órgão com dinheiro recolhido de outros funcionários e se dirigia à prefeitura para entregar a arrecadação, que ocorria geralmente na primeira semana após o pagamento do funcionalismo público. De acordo com o Gaeco, há indícios de que o recolhimento ilícito de cobrança do percentual de salários ocorria em todas as secretarias da prefeitura e era gerido "por uma quadrilha instalada no alto escalão".

Outros funcionários comissionados podem ser presos nos próximos dias. "Já temos outros nomes suspeitos, em sigilo. Precisamos, agora, confirmar quem encabeçava o esquema. Sabemos que esse dinheiro era repassado para as secretarias, para pessoas do alto escalão da prefeitura. Temos que prender o mentor de tudo isso", disse o delegado do Gaeco, Elmano Ciriaco.

Membros da quadrilha devem responder pelos crimes de peculato, concussão e formação de quadrilha. De acordo com o delegado, os funcionários comissionados que repassam parte do salários eram vitimas da cobrança compulsória. Se não houvesse o repasse em dinheiro, após o depósito do pagamento, eram ameaçados de demissão.

Devolução era obrigatória

De acordo com depoimentos gravados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), a devolução de percentual dos salários dos funcionários comissionados na prefeitura de Campo Mourão ocorria desde o inicio da administração da prefeita Regina Dubay (PR), em janeiro de 2013. A estimativa é de que cada funcionário tinha de "devolver" 5% do salário, de acordo com a função que ocupava.

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O pagamento era compulsório: o servidor era avisado que teria que fazer o repasse e chegava a receber um pedaço de papel informando a sua classificação na escala de cargos comissionados (CCs) e o valor que teria que entregar. Ligações entre ramais internos no sistema de telefonia da prefeitura, também eram utilizadas para lembrar os comissionados sobre o pagamento. Alguns funcionários, segundo levantamentos da investigação, chegaram a ser coagidos com a informação de que poderiam perder o cargo caso se negassem a repassar o dinheiro.

A devolução era mensal. Após ter o salário depositado na conta bancária no último dia do mês, o funcionário comissionado deveria se dirigir nos dias subsequentes à sala do chefe de gabinete Raimundo Machado e entregar o percentual referente ao seu cargo, segundo o Gaeco. Os valores variavam entre R$ 170 a R$ 350. Na maior parte dos casos, a devolução era feita em dinheiro que era recolhido em uma caixa de papel.

Em algumas secretarias, a devolução financeira do comissionados era recolhida por um funcionário específico como no caso da secretaria da Ação Social e na Agência do Trabalhador. Relato de uma pessoa que ocupava um cargo de confiança na administração municipal revela que em um dos órgãos municipais, o funcionário responsável pelo recolhimento da devolução no setor recebia em dinheiro dos demais funcionários e ao entregar o valor total para Machado, emitia um cheque.

Alguns comissionados que não conseguiam realizar o pagamento integral do percentual de devolução, tinham anotado ao lado do seu nome o valor pago e o restante em débito que deveria ser saldado no próximo pagamento. A lista ficava exposta na mesa do chefe de gabinete. Não havia qualquer explicação sobre o destino dos recursos recolhidos ilegalmente.

Apesar da devolução ser exigida da maior parte dos funcionários comissionados, alguns conseguiram isenção do pagamento da taxa. Um homem que ocupava cargo de direção em uma secretaria municipal disse que alguns comissionados chegaram a reclamar sobre a cobrança diretamente para a prefeita Regina Dubay. A prefeita teria isentado estas pessoas da devolução. Quase todos os secretários devolviam percentuais de seus salários calculados em média me R$ 9,3 mil.

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1,7 milhão em quatro anos

Com base em levantamento realizado pela Câmara Municipal de Campo Mourão no mês passado, os gastos com o pagamento de cargos comissionados atinge a soma mensal de R$ 700 mil. O percentual da devolução, em média de 5%, segundo depoimentos, geraria uma arrecadação anual aproximada de R$ 420 mil para a quadrilha. Durante o mandato de quatro anos da prefeita Regina Dubay, a cifra poderia atingir quase 1,7 milhão retirados ilicitamente dos funcionários comissionados.

O volume de dinheiro seria suficiente para a compra de uma frota de 68 veículos populares, comercializados atualmente no Brasil ao preço médio de R$ 25 mil. O mesmo valor poderia pagar o salário de um servidor municipal, que atua como auxiliar de serviços gerais, pelo período e quase 2,5 mil anos, levando-se em consideração que estes funcionários recebem o salário mínimo.

Os números podem ser muito superiores. Além da ocupação de novos cargos criados no decorrer de 2013, a devolução dos salários era embasada no valor do salário da função comissionada em conjunto com o pagamento de gratificações que podem variar entre 30% a 100%. É o caso por exemplo dos cargos classificados como CC3, ocupados por chefes de departamentos e assessores, que recebem gratificações de 100%. Funcionários nomeados para estes cargos recebem salário de R$ 2.098,25. Com a gratificação paga, o valor final salta para R$ 4.196,50.

Testemunha

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As investigações do Gaeco continuam no caso e há possibilidade de novas prisões nos próximos dias. Uma testemunha que já havia prestado depoimento ao Gaeco chegou a ser abordada por um secretário municipal, no mesmo dia em que ocorria a operação que resultou na prisão do diretor da secretaria de Saúde. Segundo fontes ouvidas pela Gazeta do Povo, a abordagem do secretário pode se constituir em ameaça velada. O áudio foi encaminhado ao Gaeco.

Um dia após a ação do Ministério Público na cidade, secretários e diretores municipais não compareceram em seus locais de trabalho.

Outro lado

A prefeita Regina Dubay viajou para Curitiba após a ação do Gaeco na cidade. A Procuradoria Jurídica da prefeitura divulgou nota informando que não teve acesso à investigação do Gaeco e que a administração "está pronta a colaborar com a investigação, da forma que for necessário, para que seja encontrada a verdade dos fatos, e que comprovadas irregularidades denunciadas serão tomadas as medidas para restabelecimento da ordem prevista."