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| Foto: Marcos Alves/Ag. O Globo

A Comissão Nacional da Verdade (CNV) chegou a um ano de funcionamento nesta semana divulgando um balanço dos trabalhos do grupo. Para o historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), não se trata de uma data para comemorar. O historiador acredita que a comissão tem avançado pouco além do que já era de conhecimento do mundo acadêmico. "Até o momento, o que as comissões fazem é chutar cachorro morto, escolher um ou outro torturador e transformá-lo em uma espécie de Judas", afirma.

Ele aponta que a CNV tem dificuldades para analisar o funcionamento do aparelho de repressão, especialmente o financiamento deles e a participação do poder econômico durante a ditadura. Da mesma forma, Villa avalia que as ações da luta armada deveriam ser revistas.

A Comissão Nacional da Verdade completou um ano de funcionamento. Nesse período, ela já mostrou a que veio?

Não. O que ela revelou todos nós já sabíamos, os trabalhos acadêmicos já tinham feito todo esse levantamento. Infelizmente, até agora, não há nenhuma novidade.

Por que não? Em que pon­­tos ela precisaria avançar?

A questão que envolve as torturas, os desaparecimentos, a repressão, tudo isso é de conhecimento dos trabalhos acadêmicos sobre o regime militar. O que a CNV fez, até o momento, foi falar do que já sabíamos. A pesquisa acadêmica até hoje não teve acesso a alguns arquivos. Não é possível pesquisar sobre o regime militar sem revisar os arquivos. Até o momento, o que foi falado nós já sabíamos e pesquisadores já tinham revelado.

O fato de ela ter sido criada apenas nessa década, quase 30 anos depois do fim da ditadura, não colabora para isso? Muitos arquivos foram destruídos, personagens morreram...

Esse é o problema, ela foi criada com muito atraso e parte dos arquivos foram destruídos nesse meio-tempo. Isso é um problema com o qual nós temos que conviver. Se ela fosse criada em 1985, certamente seria diferente.

Além da CNV, existem comissões estaduais da verdade, inclusive algumas criadas antes da nacional – como a de São Paulo. Como está o trabalho dessas comissões?

Em geral, há muito barulho para pouco resultado. Infelizmente, até agora, o que a gente tem visto são pouquíssimos resultados. A questão central é ter resultados concretos, nomes, arquivos, pessoas, casos revelados. A impressão é de que essas comissões têm mais a função de projetar politicamente seus dirigentes do que, efetivamente, enfrentar um momento crítico da história brasileira.

Um dos pontos que ainda permanecem obscuros é a participação de civis no aparelho de repressão. Não abordar esse assunto é uma das falhas da CNV?

É uma falha, pois essa é uma questão central. Os órgãos de repressão não funcionavam por vontade própria, eles tinham de ser estimulados financeiramente por grandes grupos econômicos e politicamente para favorecer o que chamo – entre aspas – uma "paz social" no Brasil naquele momento histórico. Até o momento, o que as comissões fazem é chutar cachorro morto, escolher um ou outro torturador e transformá-lo em uma espécie de Judas. Porém, não se identifica quem são os responsáveis pelo aparelho de repressão. Por outro lado, aí o lado mais complexo da questão, há as ações da luta armada. É necessário discutir se a luta armada foi um caminho para a democracia ou uma falácia, a substituição de uma ditadura militar por uma ditadura do proletariado – tal qual em Cuba, na Europa Oriental, e em outros países naquele momento.

Mas aí entraríamos no campo das possibilidades, já que a luta armada não prosperou no Brasil. Não seria uma fuga do ponto principal, que foi a repressão?

É bom lembrar que a perspectiva desses grupos não era a defesa da democracia, e sim um caminho para o socialismo, que à época entendia-se por uma ditadura do proletariado. O Brasil vivia um momento trágico: de um lado, uma repressão do estado terrível, do outro, esses grupos que queriam a troca de uma ditadura por outra. Nós, simples cidadãos, tínhamos uma escolha, uma ditadura ou outra.

Esses militantes já foram punidos durante a ditadura. Alguns mortos, outros presos, outros exilados. Voltar a esse assunto não seria uma forma de punir duas vezes as mesmas pessoas?

Não, isso não é uma questão de punição, é uma questão de acerto com a história. Isso é essencial. Não é uma questão de punir duas vezes, e sim de fazer uma avaliação para ver para aonde nós vamos. Não basta simplesmente fazer essa comissão, é necessário dar um passo à frente. Somos um país de tradição autoritária. Temos que discutir a questão democrática durante a ditadura, quando tínhamos dois grupos: um, a soldo do estado, poderoso, cometendo gravíssimas violações aos direitos humanos e outro, que foi violentamente atacado pelo estado, que também defendia uma ditadura, a ditadura do proletariado.

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