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Mulher protesta em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Mulher protesta em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

O Brasil registrou três grandes manifestações de ruas em menos de sete dias: gigante, no dia 13, contra o governo; grande, no dia 18, em apoio ao governo; e entre as duas, uma espontânea, não agendada pelas redes sociais, no dia 16, depois que veio a público o áudio da conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma Rousseff. O que elas têm de semelhante e diferente? Em que medida a presença de um contingente enorme de pessoas nas ruas pode influenciar o rito do pedido de impeachment e alterar os rumos políticos da nação?

O que é possível dizer, a partir de entrevistas com especialistas é que: as mobilizações sociais são um importante instrumento de pressão, mas não são capazes de decidir os próximos passos do jogo político; a participação se intensificou depois das passeatas de junho de 2013, quando o povo brasileiro parece ter começado a tomar gosto pela rua; e momento econômico ruim é determinante para que o descontentamento popular se avolume.

Sim, o Brasil já teve muitos protestos. O movimento das Diretas Já e dos Caras Pintadas são exemplos disso. Mas já se vão mais de duas décadas desde esses marcos. De lá para cá, grupos menores e com reinvindicações direcionadas ganham as ruas vez ou outra (desde uma classe em greve, um pedido por mais segurança ou um clamor por mais visibilidade, como é o caso dos movimentos feministas e LGBT). Mas uma participação maciça, que não fica restrita a interesses específicos, passou a ser mais notada a partir das marchas de junho de 2013, inicialmente voltadas ao transporte coletivo e que depois ganharam várias bandeiras. “Era uma manifestação de indignação, que atingia todos os políticos, da Dilma, ao Alckmin, aos prefeitos”, comenta Rafael Cardoso Sampaio, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFPR e especialista em Comunicação Política. Para ele, foi nesse momento que muitas pessoas que não estavam habituadas a ir em manifestações se deram conta de que poderiam participar.

Não havia, naquele momento, a forte polarização que se concretizou no ano seguinte, na campanha eleitoral de 2014. Essa mesma divisão em dois grupos também é responsável por dar a cara das manifestações que o país tem registrado no último ano e, principalmente, na última semana. A polarização está no centro da análise feita pela professora da ESPM-SP Denise Cogo, que pesquisa as relações entre cultura, cidadania, comunicação e consumo. Ela destaca as radicalidades, que fazem ambos os lados soarem incoerentes ao defenderem o seu ponto de vista como única verdade possível. Para a pesquisadora, um fator preponderante para o tamanho das manifestações é o momento econômico. “A inclusão pelo consumo gera conformismo”, reforça, destacando que muitas pessoas que hoje estão nas ruas talvez não protestassem caso a fase fosse de pujança.

A impressão é de que vivemos uma serialidade, por isso as citações a seriados como House of Cards ou Games of Thrones. A política sempre foi midiática, mas agora os ‘atores’ estão se movendo mais rapidamente, dando essa sensação do próximo capítulo da política.

Rafael Cardoso Sampaio, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFPR e especialista em Comunicação Política
Marcha não decide nada, nem deveria

Vivemos numa soberania popular, mas em uma democracia representativa. Esse foi o exemplo dado pelo professor Rafael Cardoso Sampaio, professor do Departamento de Ciências Políticas da UFPR, para explicar que as manifestações sociais são capazes de influenciar, mas não de decidir o que será do rumo político do Brasil. No modelo representativo, em que elegemos as pessoas que decidem por nós, a presença marcante nas ruas influencia opiniões e serve de apoio simbólico. No caso do rito do impeachment, por exemplo, a pressão popular pode levar esse ou aquele político a votar de uma determinada maneira, mas não seria o povo na rua que faria escolhas. “Não é decisório nem deveria ser. Isso nem só não acontece como também não é desejável”, diz. Fosse assim, seria instituída a tirania da maioria.

O cientista político, contudo, destaca que não se trata de desmerecer ou desincentivar a participação popular. O capital simbólico da manifestação de rua é inegável. A professora Denise Cogo reforça que a pressão popular é um dos instrumentos, tem relevância, mas sozinha não são capazes de mudar os rumos. “Há outras instâncias, outros atores, como os políticos”, lembra. Uma vontade popular pode ser ignorada, por exemplo. Sampaio lamenta que a polarização política tenha causado a perda, ao menos parcial, do poder de mudar opiniões. Os dois lados estão tão exaltados que a mobilização social acaba não tendo o efeito prático de fazer pensar. Apenas reforça posições estabelecidas.

O exemplo que vem da manifestação dos 20 centavos

Há menos de dois anos, estudantes e simpatizantes tomavam as ruas de São Paulo por não concordar com o reajuste da tarifa de ônibus e metrô de R$ 3 para R$ 3,20. Impulsionada pela violência policial e pelo momento político e esportivo, as marchas ganharam força e se espalharam pelo Brasil. Mas conseguiram reduções drásticas na tarifa ou reformular o transporte coletivo? Hoje a passagem em São Paulo custa R$ 3,80 – 80 centavos a mais, 4 vezes os 20 centavos que foram o estopim para as manifestações. Naquele momento, promessas foram feitas, grupos de trabalho foram montados. Alguns governantes reduziram as tarifas ou seguraram aumentos, temporariamente. Mas a verdade é que as tarifas voltaram a subir. Tamanho chacoalhão não foi capaz de colocar as questões do transporte coletivo nos eixos.

Redes sociais jogam gasolina

As manifestações de ruas ganharam, nos últimos anos, um instrumento inimaginável há poucos anos: as redes sociais. São engrenagens, são termômetros. E também são complementares em relação às marchas. Nas redes se estabeleceu uma guerra de informação e contrainformação, com dados verdadeiros e falsos, que impulsiona as ações práticas.

Para a professora Denise Cogo, da ESPM-SP, as redes sociais levaram ao empoderamento dos manifestantes, que hoje estão menos sujeitos ao que é revelado apenas pela mídia. “A gente tem mais chance de se apropriar dos acontecimentos para construir a história”, resume. Nesse campo, não está mais disponível apenas uma versão dos fatos. Mas ela alerta que a informação, sozinha, não é capaz de promover a revolução.

A professora também salienta uma aparente ingenuidade de quem vai para as ruas, crente de que está bem informado porque leu muito sobre o assunto. Para ela, é preciso refletir sobre o valor simbólico da presença em manifestações e também buscar entender os diversos aspectos envolvidos em uma determinada reinvindicação. “Tem muito protesto que tem a ver com a visibilidade, fazer selfies. Não invalida, mas o ideal é que se vá para a rua pensando num projeto da sociedade que queremos.”

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