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Dois dilemas cercam a possibilidade de incluir a busca pela felicidade no texto que estabelece os direitos sociais do brasileiro na Constituição. O primeiro, definir objetivamente o que é felicidade. O outro, ainda mais complicado, é adaptá-lo à norma jurídica.

Há diferentes interpretações para ambos os casos, que variam de acordo com a linha de análise – filosófica, antropológica, histórica. "O aspecto fundamental da felicidade é que ela escapa de toda consideração que a prenda a um conceito pré-fabricado, que não leva em consideração a singularidade das formas de vida. Por isso ela é tão difícil de ser definida e não pode ser regulada juridicamente", diz o filósofo e professor da Universidade Federal do Paraná Paulo Vieira Neto.

Segundo ele, o modelo atual de uma sociedade de consumo impede que as pessoas entendam a felicidade de uma forma clara. Vieira Neto afirma que o brasileiro tem uma cultura hedonista, na qual ser feliz consiste em usufruir bem o que se consome. "Mas não é algo tão simples, há uma confusão entre pequenos prazeres e afetos e o que é realmente ser feliz."

Mestre em Teoria do Direito e doutor em Direito Constitu­­­cio­­­nal, o professor da Univer­­­sidade de Brasília Cristiano Paixão pondera que a aprovação da PEC pode virar "folclore jurídico". Ele defende que a alteração só poderia ser feita se estivesse inserida dentro de um conceito histórico. "Se fosse na época das Diretas Já, na redemocratização, aí sim faria sentido. Agora vai cair em desuso."

O contexto revolucionário de felicidade está incluído na Declaração dos Direitos da Virginia, escrita em 1776 e que embasou a Declaração de Independência dos Estados Unidos. E também na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que traz a primeira noção coletiva de felicidade na França. Em ambos os casos, o objetivo firmar uma nova ideia da vida em sociedade, da liberdade e da autonomia do homem.

As dificuldades de aplicação jurídica da felicidade, porém, não são unânimes. "É exótico que as pessoas vejam a felicidade como algo exótico. Esse pequeno constrangimento de falar em felicidade é que é o verdadeiro constrangimento em questão", disse o diretor da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho de Assis, durante audiência pública realizada na semana passada no Senado.

O jurista católico Ives Gandra Martins Filho é a favor da mudança constitucional, mas afirma que é preciso tomar cuidado com a redação da PEC. Para ele, é importante que o texto não deve "absolutizar" o conceito de felicidade. "Se for assim, é possível que alguém diga que fez um aborto para defender o próprio direito de ser feliz. E o direito da criança morta, como é que fica?"

Martins Filho destaca que a lógica é a mesma para o direito à saúde. "Já vi ministros do Supremo Tribunal Federal determinando que o Estado pague tratamentos milionários a uma pessoa que reivindicou o direito constitucional à saúde. Que fique claro que não estamos tratando da felicidade a qualquer custo."

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