O mandado de condução coercitiva cumprido na sexta-feira (4) contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem gerando discussões no meio jurídico. Procedimento comumente adotado desde o início da operação Lava Jato – o primeiro caso registrado é do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa –, a condução coercitiva obriga a pessoa a prestar depoimento aos investigadores sem intimação prévia.
No despacho judicial em que autoriza conduzir coercitivamente Lula, o juiz federal Sergio Moro destacou que o ex-presidente só deveria ser levado de maneira obrigatória caso se recusasse a falar de maneira espontânea. “O mandado só deve ser utilizado e cumprido, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”, escreveu Moro no despacho datado de 29 de fevereiro.
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Leia a matéria completaNo entanto, conforme o advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, antes da ação desta sexta-feira, não houve qualquer convite das autoridades para que Lula prestasse depoimento. Ou seja, ao contrário do determinado pelo despacho de Moro, a condução coercitiva teria sido aplicada de imediato. Em declaração à imprensa, Lula ressaltou que não se recusaria a prestar esclarecimentos – mesmo tendo recorrido à Justiça para evitar novos depoimentos.
A ação da PF não teria respeitado a determinação de Moro e, de acordo com juristas, representaria um possível descumprimento de regras do Código de Processo Penal. O artigo 218 do CPP estabelece que o juiz pode requisitar à autoridade policial a apresentação ou condução de testemunhas, com auxílio de força pública, apenas se “regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado”.
Crítica
Advogados constitucionalistas e professores de Direito criticaram a decisão do juiz Sérgio Moro. Eles alegam que é praxe da Justiça convidar primeiramente a testemunha ou o investigado a prestar esclarecimentos e, apenas em caso de recusa ou de não comparecimento justificado, emite-se mandado de coerção.
Moro justificou o mandado como medida para preservação da ordem pública, citando o tumulto ocorrido no último dia 17, em Barra Funda (SP), quando manifestantes pró e contra Lula se envolveram em confronto. Na ocasião, estava previsto um depoimento do ex-presidente em outro processo na Justiça paulista, que foi cancelado em cima da hora. No caso de Marisa Letícia, mulher de Lula, o pedido de condução coercitiva foi indeferido, pois o juiz entendeu que um depoimento agendado não causaria risco à ordem pública.
A justificativa, porém, não é consenso entre acadêmicos. “Manutenção da ordem pública é um fundamento da prisão preventiva e não da condução coercitiva. Moro está fazendo uma leitura inventiva, criativa da norma que acena para um abuso de poder. É como criar uma categoria light da prisão preventiva. Isso não existe”, aponta a professora de Direito Penal da UnB, Beatriz Vargas.
Segundo Leonardo Vizeo, advogado constitucionalista da Organização dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), costuma-se emitir uma intimação para comparecimento do investigado em data agendada para o depoimento antes da expedição do mandado de condução coercitiva. “O que Moro fez foi um falso convite. É preciso dar um tempo para resposta”, afirma o professor de Direito da FGV, Oscar Vilhena.
Outro lado
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) saiu em defesa de Moro, afirmando que a medida foi tomada “de forma justificada e absolutamente proporcional”. Em nota, a ANPR disse que “os procuradores da República à frente do caso — bem como a Justiça Federal, a Polícia Federal e a Receita Federal — atuaram novamente de acordo com a mais rígida e cuidadosa observância dos preceitos legais”.
O documento frisa ainda que “a condução coercitiva é instrumento de investigação previsto no ordenamento e foi autorizada no caso do ex-presidente Lula de forma justificada e absolutamente proporcional, para ser aplicada apenas se o investigado eventualmente se recusasse a acompanhar a autoridade policial para depoimento penal. Em momento algum as garantias constitucionais do investigado (como o direito ao silêncio, o direito à assistência de advogado, o direito à integridade física e o direito à imagem) foram ou podem ser desrespeitadas”.
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