Passados quase oito meses da morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, e pouco mais de um ano da última onda de violência patrocinada por uma facção criminosa contra a polícia de São Paulo, o Congresso transformou em lei apenas dois de mais de 50 projetos de segurança pública considerados "prioritários" à época. Enquanto os projetos ficam parados no Congresso, outros casos de violência têm chocado o país. O último foi o dos irmãos Francisco Oliveira Neto, de 14 anos, e Josenildo José Oliveira, de 13 anos, que foram encontrados mortos na última terça-feira (25) na mata da Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo. O presidiário Ademir Oliveira do Rosário, de 36 anos, confessou os assassinatos.
As propostas transitam lentamente por comissões da Câmara e do Senado e, no plenário, perdem espaço para a disputa de poder entre governo e oposição, quando não para os interesses específicos do Palácio do Planalto, como a aprovação da prorrogação da CPMF até 2011, o Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Edução Básica (Fundeb) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
"O que houve foi que, logo depois do João Hélio, veio o Fundeb, o PAC, a reforma política, a crise aérea e, agora, a CPMF. Essa é a dificuldade. Estamos em um país em que tudo é um pouco emergencial. Não dá para fazer uma pauta do Congresso sem estar numa emergência", avalia o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA).
Crime hediondo
Desde que o tema virou febre entre os parlamentares, na prática, apenas duas frentes de combate à criminalidade foram atacadas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a proposta que transforma em falta grave o uso de telefones celulares dentro dos presídios e outra que disciplina a progressão de regime penal para condenados por crimes hediondos, como latrocínio (roubo seguido de morte) e estupro.
Tanto a Câmara como o Senado instituíram, simultaneamente, os chamados pacotes de segurança, que incluiam diversas propostas de alterações do Código Penal. No Senado, 15 matérias ganharam prioridade de votação. Na Câmara, 150 propostas foram analisadas. Depois de uma triagem, 40 foram aprovadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Desse total, segundo o deputado, 25 podem ser apreciadas pelo plenário.
Resultado: como o foco do Congresso passou a ser outro, como a crise no setor aéreo e o escândalo envolvendo o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), as propostas de segurança pública foram esquecidas.
"As elites políticas reagem diante do interesse imediato da opinião pública. Às vezes, reagem de maneira afoita. Não há planejamento de ações visando mudar essa realidade dramática. Até que o próximo caso chocante ocorra, isso fica remetido às gavetas do Congresso. Para a população, isso parece conversa de político", analisa o presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais, Geraldo Tadeu Monteiro.
Sem crime organizado
Entre as matérias que ficam nas gavetas do Congresso, está uma ampla proposta que tipifica o crime organizado no país, enquadrando como tal o tráfico de mulheres, de crianças, de órgãos humanos e o terrorismo. Além de fortalecer os instrumentos das polícias para coibir o crime organizado.
Para o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), por enquanto, nada pode ser feito. "A crise no Senado não fez avançar nada. A falta de autoridade do Renan para conduzir o processo faz com que essas coisas aconteçam. O governo também não tem interesse algum em aprovar propostas de segurança pública. Dizem que o problema é social", argumenta Torres.
Conflito
Se não bastasse a inversão de prioridades do Congresso, Câmara e Senado não se entendem sobre a organização da pauta. A tipificação do crime organizado, por exemplo, tem duas propostas que tramitam de maneira isolada nas duas Casas do Congresso. Ou seja, se cruzam no extenso caminho regimental, desperdiçando tempo e dispersando o foco das ações, segundo avaliação de especialistas. "Os projetos individuais abarrotam as comissões. É o jogo de vaidades, de interesses pessoais. Eles sabem que o resultado disso é uma falsa produtividade", analisa o professor Geraldo Monteiro.
O deputado Flávio Dino discorda. Para ele, a disputa entre senadores e deputados é sadia. "Isso é típico do bicameralismo. Não é batalha pelo protagonismo. O embaraço principal não é este. Esta disputa é o que menos tem importância. Surgiram outros temas que se tornaram prioritários."
Maioridade Penal
Sem contar o atraso político para tentar amenizar a crise da segurança pública, o Congresso resiste em votar uma das propostas mais polêmicas: a redução da maioridade penal hoje fixada em 18 anos. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado chegou a aprovar uma proposta que reduz para 16 anos a maioridade penal no Brasil.
O texto, que confronta setores da sociedade, do governo e do Congresso, teve votação agendada no plenário do Senado no dia 28 de agosto. O problema é que naquela data o Legislativo só respirava a crise envolvendo Renan Calheiros e a votação do processo contra ele no Conselho de Ética. Ninguém sequer percebeu que o tema estava na ordem do dia.
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