Após o surgimento de uma suposta lista de políticos presenteados pela construtora Gautama aquela acusada pela Polícia Federal na Operação Navalha de ser pivô do esquema de fraudes em licitações públicas , o recebimento de "mimos" de empresas privadas por deputados e senadores voltou a ser discutido nos corredores do Congresso Nacional.
Alguns parlamentares admitiram que receberam gravatas e agendas da Gautama, embora tenham sido levantadas suspeitas da distribuição de presentes mais caros pela construtora. De acordo com os códigos que regem a conduta dos deputados e senadores, não há uma regra específica sobre o recebimento de presentes e brindes. As normas dizem que é proibido obter "vantagens indevidas".
A definição, no entanto, é ampla, segundo especialistas e parlamentares ouvidos pelo G1.
No Senado, há um pouco mais de definição sobre o tema do que na Câmara, que apenas destaca as "vantagens indevidas".
O Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal diz que é incompatível com a atividade parlamentar a "percepção de vantagens indevidas, tais como doações, ressalvados brindes sem valor econômico".
As regras se baseiam no artigo 55 da Constituição Federal, que diz: "é incompatível com o decoro parlamentar a percepção de vantagens indevidas."
Mas, para que o "mimo" seja considerado uma vantagem indevida, é preciso denúncia ao Conselho de Ética da respectiva casa.
A partir daí, pode iniciar-se um processo e, se verificada a irregularidade, a pena pode ser a perda de mandato. A Secretaria-geral da Mesa da Câmara destaca, por exemplo, que no caso do mensalão, deputados perderam seus mandatos por conta de vantagens indevidas recebidas.
Pacotes
Todos os dias, de acordo com o setor de correspondências da Câmara dos Deputados, chegam para os deputados de 150 a 200 pacotes de todos os tamanhos. No entanto, ninguém sabe o que há dentro dessas correspondências.
"Não sabemos o que tem dentro porque não podemos abrir. Seria violar a correspondência", explica um funcionário do setor que preferiu não revelar o nome.
Segundo ele, além das correspondências, muitas pessoas entram na Câmara diariamente com livros, canetas, chaveiros e agendas para serem entregues aos deputados.
"Com relação a isso, não há como controlar. A pessoa pode entrar com os livros na mochila e com as canetas no bolso e isso o detector de metais não vai pegar." O funcionário disse que cerca de 20 mil pessoas vão à Câmara diariamente.
Executivo
No governo federal, os integrantes da alta administração e servidores públicos têm regras estabelecidas para o recebimento de brindes.
No caso dos que ocupam cargos no primeiro e segundo escalão do governo, o Código de Conduta da Alta Administração Federal diz que "é vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade".
No entanto, o manual não considera como presente brindes sem valor comercial ou aqueles que não ultrapassem o valor de R$ 100. Define ainda que um brinde é aquele enviado em caráter promocional que não se destine a uma autoridade específica.
A Comissão de Ética Pública, subordinada à Casa Civil, também determina que não se receba brinde da mesma empresa num intervalo menor de 12 meses.
Em seu site, a comissão informa que uma de suas atribuições é solicitar avaliação junto ao comércio para averiguar se o brinde tem valor superior a R$ 100.
Já o Código de Conduta dos Servidores Públicos Civis da União proíbe o recebimento de presentes, "de qualquer tipo ou valor", mas não é claro a respeito de "brindes", que não são mencionados pelo código.
Estados e municípios
Cada estado ou prefeitura é responsável por definir regras específicas sobre o tema para seus servidores. Não existe uma lei federal que estabeleça normas.
Em Minas Gerais, por exemplo, os servidores podem receber brindes desde que tenham valor de até um salário mínimo, ou seja, R$ 380 mais do que o preço de uma televisão de 14 polegadas.
Ética e bom senso
Mas, embora o recebimento de "mimos" não seja proibido no Legislativo nem no Executivo, há controvérsias éticas.
Na avaliação do filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a regra número um do decoro deveria ser de que todo aquele que tem de responder por suas ações aos eleitores, desde vereadores até o presidente da República, não têm direito a receber qualquer presente ou brinde, "seja um alfinete, seja uma fazenda".
Para o professor, não basta seguir o que diz a lei, porque "não apenas de legalidade é feito o Estado". "O presente ou brinde pode não significar a intenção de corromper, mas abre brechas para que se peça contrapartidas em seguida."
Segundo Romano, como é difícil estabelecer um limite claro do relacionamento entre o público e o privado, tudo deveria ser proibido. Ele defende ainda que seja criado um fundo nas casas legislativas para que todos os brindes possam ser centralizados em um departamento e repassados a entidades assistenciais ou museus.
Já o professor de Política e Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB), João Paulo Peixoto, concorda com a limitação de R$ 100 para recebimento de brindes no governo federal, mas avalia que os "mimos" têm de seguir uma regulamentação pessoal e variar de acordo com a conduta de cada um.
"É muito difícil fiscalizar. E se, por exemplo, uma empresa mandar um presente para a casa de um funcionário público ou autoridade? Quem ficará sabendo?", destaca.
Para Peixoto, o fim da corrupção passa pelo exemplo do líder, seja o prefeito, governador ou ministro, e de treinamentos constantes de conscientização. "Além disso, a correta aplicação da lei e a punição ajudam a combater a corrupção."
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