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Militares do Exército coreano: eles eram instrutores de guerrilheiros brasileiros | EPA-KCNA
Militares do Exército coreano: eles eram instrutores de guerrilheiros brasileiros| Foto: EPA-KCNA

Militares também fizeram cursos de guerra revolucionária no exterior

Durante a Guerra Fria, militares brasileiros buscaram na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos treinamento sobre a chamada guerra revolucionária e táticas de contrainsurgência, além de manter um controle obsessivo sobre os guerrilheiros que faziam cursos no exterior. Documentos guardados no arquivo do antigo Departamento de Ordem Social e Política de São Paulo (Dops-SP) mostram que o fato de um militante ter frequentado um "curso de guerrilha em Cuba" era "importante indício para a caracterização da periculosidade de um terrorista (ofício confidencial nº 721-A1 de 13 de novembro de 1973 , do Centro de Informações do Exército, recebido pelo 2.º Exército)".

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São Paulo - Em segredo, a Coreia do Norte treinou guerrilheiros brasileiros e enviou dólares a grupos de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura militar nos anos 70. Instrutores do Exército coreano que falavam espanhol davam aulas de formação política, de marcha, emboscada, explosivos e manejo de armas leves, como fuzis e carabinas, aos alunos brasileiros.

A reportagem entrevistou três dos integrantes de uma turma de brasileiros que treinou táticas de guerrilha rural naquele país – um deles pediu anonimato. Integrantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), eles revelaram um segredo da guerra fria, parte da história do apoio dado pelos países comunistas à luta armada no Brasil.

De fato, Cuba e China também treinaram guerrilheiros, que depois voltaram ao Brasil. No caso dos alunos dos coreanos, isso só não ocorreu porque os planos não deram certo após a desagregação de sua organização. "O curso foi muito bom. Tinha a parte militar clássica, mas sempre voltada para o trabalho de guerrilha", afirmou o sindicalista Irany Campos, um dos guerrilheiros do curso.

A turma de brasileiros era formada em sua maioria por militantes de esquerda que foram banidos do Brasil. Presos pelo regime, eles haviam sido enviados para fora do país em troca da libertação de diplomatas estrangeiros sequestrados em 1970 pelos guerrilheiros. A direção da VPR acertou com a Embaixada da Coreia em Cuba o envio dos militantes – a Ação Libertadora Nacional (ALN) quase fechou acordo semelhante. "Tenho conhecimento só de uma turma que esteve lá: a nossa", ressaltou Campos.

Os nove da VPR saíram do Chile e foram para Cuba. Ali pegaram um avião em Havana, que fez escalas no Canadá, em Marrocos e em Moscou, quando houve uma pausa de dois dias. Os soviéticos permitiram a estada dos brasileiros, que, depois, rumaram à Sibéria, onde o avião fez a última escala antes de Pyongyang.

O acampamento dos brasileiros era próximo da capital. "A gente permaneceu isolado. Só saía de lá com os coreanos", relatou Jovelina Tonello, única mulher do grupo. A alimentação e estada eram por conta dos coreanos. Toda semana havia sessão de cinema em que se exibiam filmes coreanos com tradução dos instrutores. "O professor de caratê era um cara que havia matado 13 em uma emboscada", disse Jovelina. O fato ocorrera na Guerra da Coreia (1950-53).

Parte do treinamento ocorreu quando ainda havia gelo. As aulas de formação política eram dadas por coreanos. "Dentro da visão que eles tinham de solidariedade internacional do camarada Kim Il-sung. Nós estávamos ali em função da solidariedade internacional", afirmou Campos, citando o secretário-geral do PC daquele país. Ali o guerrilheiro aprendeu a manusear o fuzil AK-47. Jovelina ainda fez curso de auxiliar de enfermagem, que seria útil mais tarde. Após três meses, os guerrilheiros voltaram a Cuba pela mesma rota. "A maioria seguiu para o Chile", revelou um dos guerrilheiros, carioca que militou na VPR.

"Voltar para lutar"

O objetivo era voltar para o Brasil. "Voltar para lutar", contou Campos. Na época, o Chile era governado pela União Popular, liderada pelo socialista Salvador Allende. Jovelina foi uma das militantes que foram parar em Santiago. Naquele período, em 1972, a situação da VPR havia se deteriorado. Três grupos se digladiavam pelo controle da organização. O líder de um deles, o sargento Onofre Pinto, era acusado de traição por sua ligação com José Anselmo dos Santos, o cabo Anselmo, que foi preso e passou a trabalhar para o delegado Sérgio Paranhos Fleury, da polícia paulista.

"Um dia me encontrei com o Onofre e ele me deu um beijo. Eu não entendi nada. Ele disse: ‘Eu recebi o relatório. Muito bom, muito bom’. Aí fiquei sabendo que era o relatório sobre o curso na Coreia", disse Jovelina. A direção da VPR recebeu o relatório dos coreanos por meio dos cubanos.

Jovelina estava em um dos grupos contrários a Onofre e, depois, desligou-se da organização. Passou a trabalhar como enfermeira em uma fábrica até ser presa após o golpe militar contra Allende, em 1973. Como não foi identificada como estrangeira, acabou liberada. Juntou-se ao marido e a socialistas chilenos na resistência ao golpe, mas em novembro todos procuraram o Refúgio de Padre Hurtado (Santiago), um abrigo para os perseguidos políticos patrocinado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Ela e seus companheiros saíram do Chile em fevereiro de 1974. Deixaram para trás a luta armada e rumaram para o exílio na Europa e em Cuba, levando com eles o segredo coreano.

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