Malhães prestou depoimento em março à Comissão Nacional da Verdade, em que relatava ter participado de prisões e torturas| Foto: Daniel Marenco/ Folhapress

Pedido

Comissão da Verdade quer que PF participe das investigações

Agência O Globo

A Comissão Nacional da Verdade quer que a Polícia Federal (PF) participe das investigações sobre o assassinato do coronel da reserva Paulo Malhães. Em nota, a comissão informou que o seu coordenador, Pedro Dallari, já entrou em contato com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para pedir a participação da PF na apuração do caso. A PF no Rio de Janeiro afirmou, no entanto, que não cabe ao órgão a investigação da morte de Malhães.

Já a ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, reafirmou, depois de sair de uma reunião com Cardozo, que o governo irá solicitar que a PF investigue a morte. Apesar de considerar os depoimentos que o militar fez à Comissão Nacional da Verdade relevantes, Ideli afirmou que é cedo para avaliar o que motivou o assassinato.

"Não temos condições de avaliar nada, ainda. Pode ter sido crime comum, pode ter sido queima de arquivo. Pela delicadeza do fato, pela repercussão dos depoimentos que o coronel deu, estamos solicitando que a Polícia Federal acompanhe as investigações", disse a ministra.

Maria do Rosário, ex-titular da pasta, também defendeu que a morte do coronel seja apurada pela PF. A deputada afirmou que a relevância dos depoimentos de Malhães exigem uma investigação mais profunda sobre o caso. "Esse crime soa bastante estranho."

Para ela, o coronel Malhães se tornou uma ameaça para os torturadores da ditadura por causa das revelações que ele fez na Comissão da Verdade: "Ele ainda tinha muito a esclarecer e pode ter se tornado uma ameaça, já que contou o que aconteceu, mas não contou quem fez".

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Consequências

Morte pode inibir novos depoimentos, diz presidente de comissão

Agência O Globo

A morte do coronel Paulo Malhães pode inibir outras pessoas a contarem o que sabem nas investigações sobre crimes cometidos durante a ditatura militar, opina o deputado Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. Mesmo antes da morte de Malhães, que assumiu ter participado de assassinatos, tortura e desaparecimento de presos políticos, testemunhas chamadas a dar esclarecimentos na comissão municipal haviam relatado sofrer ameaças, de acordo com o vereador Gilberto Natalini (PV), presidente do grupo.

"Para nós, que fazemos as comissões da verdade, a morte do Malhães é uma péssima notícia. Muitos vão dizer que parece ser queima de arquivo. Para mim é um cala-boca, o que é mais grave. As pessoas que forem chamadas a depor a partir de agora podem pensar: ‘se eu abrir o bico, alguém vai calar minha boca’", disse o deputado Diogo. Segundo ele, o assassinato de Malhães mostra que uma página da história do Brasil ainda "não foi completamente virada". O vereador Natalini acredita que existam, no Brasil, forças interessadas em evitar que alguns fatos sobre o regime militar sejam revelados.

O coronel da reserva Paulo Malhães foi encontrado morto ontem dentro de sua casa, num sítio do bairro Marapicu, zona rural de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O militar da reserva teve atuação de destaque na repressão política durante a ditadura militar. Ele é ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) e, em depoimento na Comissão da Verdade, assumiu o envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos de vítimas da repressão. Foi a primeira vez que se confirmou as práticas de tortura na chamada Casa da Morte, em Petrópolis.

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Em outra ocasião, Malhães admitiu ter recebido uma ordem de missão para ocultar o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, que estava enterrado no Recreio dos Bandeirantes. A família de Paiva luta há 43 anos para descobrir o paradeiro do ex-deputado, morto em janeiro de 1971.

Segundo a filha de Malhães, Carla, três pessoas entraram na casa do ex-coronel, prenderam a mulher dele num aposento e o mataram por sufocamento. O grupo levou todas as armas que ele tinha em casa.

De acordo com investigadores da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense, que realizou uma perícia no local, três homens invadiram a residência de Paulo Malhães na tarde de quinta-feira. Ele ficou em poder dos invasores das 13 às 22 horas, segundo o relato de testemunhas. Dentre elas, a viúva do ex-coronel, Cristina Batista Malhães: "Eu fiquei amarrada e trancada no quarto, enquanto os bandidos reviravam a casa toda em busca de armas e munição. Não era segredo que ele era colecionador de armas", disse Cristina, enquanto era conduzida para a Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) para prestar depoimento.

Asfixia

O caseiro também foi conduzido para a delegacia. Ele ficou trancado em outro cômodo da casa, amarrado. Segundo o delegado Fábio Salvadoretti, da DHBF, não havia marcas de tiros no corpo de Paulo Malhães, apenas sinais de asfixia. "A princípio, ele foi morto por asfixia. O corpo estava deitado no chão do quarto, de bruços, com o rosto prensado a um travesseiro. Ao que tudo indica ele foi morto com a obstrução das vias aéreas."

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Foi feita uma perícia no local. Policiais apreenderam na casa um rifle e uma garrucha antigas e colheram impressões digitais, que serão analisadas. Nadine Borges, integrante da Comissão Estadual da Verdade e responsável por tomar o depoimento de Malhães, cobrou uma investigação célere e disse que não pode ser tratado como crime comum.

Repercussão

O presidente da Comissão Estadual da Verdade do Rio, Wadih Damous, acredita que a morte do coronel tenha sido queima de arquivo. "Na minha opinião, é possível que o assassinato do coronel Paulo Malhães tenha sido queima de arquivo. Ele foi um agente importante da repressão politica na época da ditadura e era detentor de muitas informações sobre fatos que ocorreram nos bastidores naquela época."

Militar revelou segredos da "Casa da Morte"

Em junho de 2012, o coronel da reserva Paulo Malhães recebeu repórteres do jornal O Globo para uma entrevista de cinco horas e decidiu revelar um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, no Rio, conhecido na literatura dos anos de chumbo como "Casa da Morte". No local, segundo Malhães, conhecido como "Doutor Pablo", podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos.

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Na longa entrevista, Malhães revelou que a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, na gíria dos agentes. O oficial não usou a palavra tortura, mas deixou clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos: "Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral, no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava."(AG)