Jantares, almoços e PowerPoint. A tríade adotada pelo governo Temer nas duas últimas semanas foi responsável em parte pela votação expressiva a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que pelos próximos 20 anos deixa os gastos públicos vinculados à correção inflacionária. Pouco antes das 22 horas desta segunda-feira (10), o corpo principal da PEC foi aprovado em primeiro turno de votação na Câmara dos Deputados, com o aval de 366 parlamentares, contra 111. Para ser aprovado, bastava o número mínimo de 308. O placar final ficou dentro do previsto pelo Planalto, que apostava ter entre 350 a 380 votos.
Protocolada no Congresso Nacional no mês de junho, no mês seguinte à posse provisória de Michel Temer na Presidência da República, a PEC é classificada pelo Planalto como a principal bandeira do ajuste econômico, daí o empenho na articulação.
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“Ele [Michel Temer] já foi três vezes presidente da Câmara dos Deputados. É um político experimentado, sabe como deve tratar o parlamento”, comentou o deputado federal Sergio Souza (PMDB-PR), que na noite de domingo (9) foi um dos mais de 200 parlamentares presentes no Palácio da Alvorada para um jantar de “pré-votação”.
Até o horário do encontro, admitiu o Planalto, foi estratégico: como o plenário da Câmara dos Deputados geralmente fica esvaziado às segundas-feiras, o jantar na noite de domingo traria os parlamentares para Brasília com antecedência, garantindo quórum para a apreciação da PEC.
Michel Temer e a primeira-dama, Marcela, receberam pessoalmente os convidados, no hall de entrada do Alvorada. Temer cumprimentou um a um. Também tirou fotos. No cardápio, além de filé mignon, salmão e risoto, os economistas José Márcio Camargo e Armando Castelar fizeram uma exposição em PowerPoint sobre a necessidade da aprovação da PEC e de uma reforma da previdência.
Resistente à PEC, o paranaense João Arruda (PMDB) foi submetido ao PowerPoint do Planalto ainda antes do jantar de domingo. No jantar anterior, no final do mês passado, Arruda se reuniu com os líderes no Alvorada para ouvir Henrique Meirelles (Fazenda) e Eliseu Padilha (Casa Civil), que também fizeram uma exposição sobre a evolução das despesas públicas. “Independente do conteúdo da PEC, não dá para negar que, ao contrário do que acontecia na gestão Dilma Rousseff, agora há bastante diálogo”, resumiu Arruda.
A articulação no estilo “corpo a corpo” também foi adotada pelos líderes da base aliada, que carregaram a tiracolo, na última semana, um mapa com os votos de parlamentares contra e a favor, além da lista de “indecisos”. “Eu acho que os discursos do presidente Temer convencem porque não são discursos preparados por alguém. Ele acredita no que está falando, consegue demonstrar a necessidade daquela mudança e isso contagia os líderes”, afirmou Sergio Souza.
Desde o início do mês, o Planalto tem feito reuniões constantes para tratar da PEC com os líderes da base aliada – 20 dos 27 partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados integram a bancada de apoio à gestão peemedebista. No próprio domingo (9), antes do jantar, líderes afinavam o discurso em um almoço.
Ao final dos encontros, os aliados têm saído com um discurso único: a PEC seria a única maneira de ajustar as contas públicas e tirar o país da crise; vozes contrárias à medida estariam agindo de forma corporativista. Internamente, o governo Temer ainda busca na aprovação da PEC não só um pontapé para sua administração, como também um marco semelhante à Lei de Responsabilidade Fiscal, sancionada em 2000.
Rodrigo Maia (DEM-RJ), à frente da Câmara dos Deputados, e o relator da PEC na Casa, o aliado Darcísio Perondi (PMDB-RS), também são chamados com frequência pelo Planalto. No discurso oficial, o presidente Temer quer passar a ideia de gestão conjunta, na qual Executivo e Legislativo trabalham juntos. “O jantar demonstrou respeito pelo Legislativo”, concordavam aliados já no Salão Verde da Câmara dos Deputados, nesta segunda-feira (10).
Antes de seguir para discussão no Senado, a PEC ainda enfrenta mais um turno de votação na Câmara dos Deputados.
Ironias
A quantidade de almoços e jantares promovidos por Temer e sua equipe às vésperas da votação também foi alvo de ironias da oposição. Na sessão desta segunda-feira, ao criticar com veemência o texto da PEC, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) disparou da tribuna: “Almocem os trabalhadores! Jantem os aposentados! É isso o que vocês querem”.
O vinho argentino, servido no jantar de domingo, também não passou despercebido pela oposição. “Durante dez anos foram servidos vinhos brasileiros no Alvorada, em defesa da viticultura nacional. O vinho argentino é um acinte ao povo brasileiro”, protestou Pepe Vargas (PT-RS). “Culpa do governo Dilma, que aumentou as alíquotas dos vinhos brasileiros”, devolveu o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM).
Na manhã desta segunda-feira (10), a reportagem da Gazeta do Povo perguntou ao Planalto sobre o custo do jantar oferecido aos parlamentares, mas não houve retorno.
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