Em sete horas de depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, o deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) voltou a negar nesta quinta-feira (19) ser dono de contas e recursos fora do país e aproveitou a sua volta à Câmara para também se manifestar politicamente: criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal que o afastou do comando da Casa e disse não ter indicado “um alfinete” para o governo do correligionário Michel Temer (PMDB).
Na saída do depoimento, ele disse ainda que voltará a frequentar seu gabinete parlamentar, atitude que pode representar uma afronta à decisão do STF, que o afastou do cargo e do mandato sob o argumento de uso dessas duas funções para obstruir a Justiça e o processo na Câmara.
A fala de Cunha encerra a fase de instrução de seu processo de cassação na Câmara.
O relator, Marcos Rogério (DEM-RO), deve apresentar até o final do mês parecer pela perda do mandato, mas o desfecho do caso é incerto, por dois motivos: Cunha já conta possivelmente com maioria de votos no Conselho, e sua defesa promete recursos à Comissão de Constituição e Justiça, à presidência da Câmara e ao Supremo Tribunal Federal contra supostas ilegalidades processuais.
A fala de Cunha começou pouco antes das 10h. O peemedebista voltou a afirmar que os R$ 9 milhões bloqueados em contas na Suíça não são de sua titularidade, mas de trusts (administradoras de recursos de terceiros) a quem ele delegou a gestão de parte de seu patrimônio.
Com isso, ele diz que não precisava nem poderia revelar ou declarar às autoridades a sua existência, já que não seria dono delas, apenas detentor da “expectativa de direito”. Cunha vinha dizendo que era apenas “usufrutuário” das trusts, posição que recuou nesta quinta, afirmando ter usado um termo incorreto juridicamente.
O seu processo de cassação se dá devido à acusação de que mentiu aos seus pares ao negar ter “qualquer tipo de conta” no exterior, em depoimento à CPI da Petrobras, em 2015.
“Não há a obtenção de qualquer tipo de prova que mostre que o trust signifique a propriedade da existência de meu patrimônio. Considerar isso como uma conta bancária, igual uma conta que qualquer um assina um cheque e saca, ou o banco atende à sua ordem, é uma comparação absurda”, disse Cunha.
Ele afirmou ainda que a instituição do trust não tinha objetivo de esconder patrimônio.
“Se o objetivo fosse esconder, certamente pelo conhecimento técnico que eu disponho, certamente eu teria feito uma fundação”, afirmou, em uma crítica indireta ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), alvo de pedido de inquérito que inclui o fato de sua mãe ter mantido uma fundação no exterior. “Eu talvez tivesse seguido alguns exemplos e tivesse constituído uma fundação”, disse Cunha.
Cunha negou também que tenha sido o responsável pela escolha do nome de sua mãe, Elza, como uma contrassenha para uma das contas ligadas a ele na Suíça. O peemedebista disse que o banco preencheu por conta própria essas informações.
Durante a sessão, houve vários embates entre deputados pró e contra Cunha. Ao final, Marcos Rogério acrescentou a acusação de recebimento de propina, ação contestada pelo advogado de Cunha, Marcelo Nobre, sob o argumento de agressão ao amplo direito de defesa.
Esposa
Em seu depoimento, Cunha se negou a falar sobre a origem e destinação dos recursos que abasteceram a conta da mulher, Claudia Cruz, e que bancaram gastos de cartão de crédito do casal no exterior.
“As despesas efetuada no exterior, o titular era minha esposa, todos os gastos foram feitos por conta de cartão de crédito dela. (...) Eu era apenas dependente de cartão de crédito da minha esposa. (...) A minha esposa não é deputada, não está sujeita a representação”, afirmou o peemedebista. Questionado várias vezes por Marcos Rogério, ele se negou a dizer, no final, o país que sediava a conta da mulher, a Suíça.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, o peemedebista e familiares mantiveram gastos elevados com lojas de luxo, hotéis e restaurantes de alto padrão no exterior, entre 2012 e 2015, em países como Estados Unidos, França, Itália, Portugal, Suíça, Rússia, Espanha e Emirados Árabes.
Um dos momentos de maior embate entre adversários e aliados do peemedebista aconteceu na fala de Julio Delgado (PSB-MG), que citando os gastos no exterior e a negativa de Cunha de ser dono das trusts, perguntou: “Se o dinheiro dessa conta compra um vinho de US$ 1.000, eu pergunto ao senhor, quem bebe o vinho, o senhor ou o trust?”
E prosseguiu: “Se eu vou a um hotel em Dubai e gasto US$ 20 mil, quem dormiu nos lençóis de seda, o senhor ou o trust? Quem comprou essa gravata nas lojas de grife da Europa, quem comprou esse terno de US$ 3.000 que vossa excelência usa, foi o senhor ou o trust?”
Cunha se limitou a responder que não era titular do cartão de crédito. Mas fez uma crítica a Delgado, afirmando que ele é a favor de sua cassação por revanchismo por ter perdido a eleição da Câmara.
A tropa de choque de Cunha também aproveitou a sessão para fazer críticas a Julio Delgado e anunciar que entrou com uma representação contra ele no Conselho de Ética, sob acusação de ter recebido propina da UTC. Delgado argumenta que pediu doações oficiais à empresa e que elas foram distribuídas a outros candidatos do PSB de Minas Gerais.
O Supremo Tribunal Federal abriu inquérito para investigar o caso, mas o procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu arquivamento da investigação porque não encontrou elementos que comprovassem a acusação de recebimento de propina.
Julio Delgado também discutiu com o deputado André Fufuca (PP-MA), novo integrante do Conselho de Ética, frequentador da casa e do gabinete de Cunha. Delgado afirmou que Fufuca chama Cunha de “papi” nas conversas privadas. Fufuca rebateu e chamou o adversário de “canalha”.
STF
Cunha também comentou a decisão unânime do Supremo Tribunal federal que o afastou do cargo e do mandato no último dia 5. Sem dizer diretamente o termo, ele insinuou acreditar que os ministros tinham um objetivo oculto ao tomar a decisão.
“É óbvio que foi uma decisão construída para ter algum tipo de objetivo, que com o tempo se saberá qual é”, afirmou, sem dar sua opinião sobre qual acha ser o objetivo.
Cunha citou que o próprio Supremo considerou a decisão “excepcionalíssima” e que, pela Constituição, a única medida cautelar possível contra um parlamentar é a prisão em flagrante.
O presidente afastado da Câmara ainda disse ser “estranho a celeridade e a seletividade” das investigações contra ele. “É muito estranha a celeridade com relação a mim quando, por exemplo, uma denúncia contra o presidente do Senado tá há três anos sem ser apreciada pelo pleno [do Supremo]”, disse.
A denúncia contra Renan Calheiros (PMDB-AL), por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso, chegou a ficar pronta para ir ao plenário, mas foi retirada pelo relator, ministro Luiz Fachin.
Questionado se está se considerando alvo de uma conspiração, Cunha disse que “não vim aqui para fazer exposição de vitimação”.
Na saída, deixou claro que pretende retomar ao dia a dia da Câmara apesar do afastamento. “Eu vou frequentar a Câmara. Estou suspenso do exercício do mandato e não de frequentar a Câmara. Vou frequentar, vou frequentar meu gabinete pessoal. Estarei aqui presente, não mais hoje, pelo adiantar da hora, e amanhã estou fora, mas a partir de segunda-feira (23) vocês me encontram no meu gabinete.”
Cunha teve mantido seus benefícios parlamentares, incluindo gabinete e assessores, por meio de uma controversa decisão da Mesa da Câmara, atitude essa que contrariou até a área técnica da Casa.
Temer
Um dia depois da confirmação do aliado André Moura (PSC-SE) como líder do governo na Câmara, Cunha disse ainda não ter indicado “um alfinete” para a gestão de Temer.
Contrariando afirmação de aliados de que continua ativo nos bastidores políticos, incluindo com cobranças a Temer para contemplar aliados, Cunha demonstrou indignação em relação a isso. Entretanto, afirmou que se tivesse indicado alguém não estaria cometendo nenhum delito.
“Não tem um alfinete indicado nesse governo por Eduardo Cunha”, afirmou o peemedebista, em resposta a Alessandro Molon (Rede-RJ), que listou aliados seus em postos de destaque na gestão de Temer.
“E se tivesse indicado, não teria nenhum delito nisso, não estou suspenso pelo STF de falar com as pessoas ou de exercer minha militância partidária”, afirmou o presidente da Câmara afastado.
Além de Moura, Cunha atuou para indicar pessoas de suas relações em pastas do governo Temer. Ao Conselho de Ética, ele disse que essas pessoas também têm relação com Temer, algumas mais antigas com o presidente interino do que com ele.
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