Deputado federal por 11 legislaturas, um recorde entre os atuais parlamentares da Câmara, Miro Teixeira (Rede-RJ) tem sido um personagem e observador privilegiado da história política recente do Brasil. Do alto da experiência de quem viveu no centro do poder desde a ditadura militar, Teixeira é categórico em afirmar que o país está longe de viver seu pior momento, apesar de passar por um grande escândalo de corrupção que envolve altas autoridades. “Os piores momentos eram aqueles em que os atos irregulares eram praticados. Agora o país está fazendo a apuração dos fatos e a punição e prisão dos responsáveis.” Teixeira, que foi quem pela primeira vez propôs na Câmara a criação da delação premiada, em 1989, vê ainda na prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) uma oportunidade para que o deputado cassado mostre a “planta da fábrica” da corrupção e diga quem são os “fantasmas” do esquema.
Teixeira esteve em Curitiba, a convite do Instituto Democracia e Liberdade (IDL), na última segunda-feira (24), quando falou com a Gazeta do Povo. Nesta entrevista, ele fala ainda sobre projetos polêmicos que teriam o objetivo de atrapalhar a Lava Jato. Faz um balanço do governo Temer. E discute a possibilidade de o Congresso ter de escolher um novo presidente caso Temer seja cassado pela Justiça Eleitoral.
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Eduardo Cunha foi preso e imediatamente começaram a surgir rumores de que uma possível delação dele afetaria em cheio a Câmara. E que ele poderia comprometer mais de cem deputados com denúncias de caixa 2 eleitoral. Esse é o tamanho da rede de influência dele, que tanto assusta a Câmara?
Não acredito que seja um número tão vigoroso assim. Mas o Eduardo Cunha tem o dever de colaborar com a sociedade. Pedir desculpa pelos crimes que praticou. E mostrar nem tanto quem são as pessoas, mas a “planta da fábrica”, como é que se organiza isso tudo. Como é essa história de que uma montadora meteu uma emenda numa medida provisória? Essa MP já veio pronta para colocar essa emenda? Eu acredito que ele possa estar disposto a entregar essa planta da fábrica. Tem muita coisa que ele é o camarada que sabe. É como casa mal-assombrada: você escuta correntes se arrastando, porta batendo; você sabe que tem fantasma, mas não vê. O Eduardo Cunha sabe quem são os fantasmas.
Como está o clima na Câmara após a prisão?
O clima é normal. Tenho impressão de que não existe esse pânico todo em relação ao Cunha. Aqueles que têm a consciência pesada já estavam intranquilos antes. Ou será que existia alguma dúvida de que ele seria preso? Mas a minha impressão é de que as versões são mais interessantes que os fatos. Aliás, eu estava no plenário quando foi anunciada a prisão. E o plenário encheu. Havia quórum para votar. O que havia era muita obstrução para não votar o projeto do pré-sal [que muda as regras de exploração de petróleo]. E toda turma que estava fazendo obstrução gritava para o Waldir Maranhão [deputado que presidia os trabalhos] encerrar a sessão. Sob grande pressão, ele encerrou a sessão meia hora depois. Aí aparece na tevê que ele encerrou a sessão assim que foi anunciada a prisão. Não foi bem assim. Os jornalistas que estavam lá sabem disso.
Em setembro, o senhor foi um dos deputados que denunciou a tentativa de aprovar durante uma sessão na madrugada uma proposta para anistiar quem fez caixa 2 eleitoral? A que o senhor atribui essa tentativa de aprovar um projeto na surdina?
À burrice. A burrice é muito maior do que nós imaginamos. Eles [o grupo que articulava a proposta] nem mesmo exibiam o projeto porque ainda não tinham fechado o texto. Não tinha projeto. Deu-se urgência a um projeto inexistente. Foi vergonhoso.
Existe o risco de o projeto ser recolocado em votação?
Como é um projeto fantasma, o risco sempre existe. Mas eu acho que agora as pessoas estão mais prevenidas.
A corrupção existe porque existem corruptos. Existem muitas explicações sobre o motivo de haver corrupção. Mas, se não houver o fim da impunidade, você esquece o resto
Há no Congresso outros projetos polêmicos que, para a força-tarefa da Lava Jato, têm o objetivo de atrapalhar as investigações. É o caso da proposta que aumenta a pena para o abuso de autoridade, da que impede delação premiada feita por pessoas presas e outra para mudar o entendimento do STF de que condenados podem ser presos quando sentenciados pela segunda instância judicial. O senhor entende que essas propostas tentam barrar a Lava Jato?
A intenção até pode ser essa. Eu vou votar contra. Agora, uma proposta que é feita e tramita dentro das normas regimentais até pode ser criticada. Mas ninguém pode atacar um parlamentar por sustentar suas opiniões legitimamente. Vamos à luta e cada um apresenta suas convicções quando essas propostas chegarem ao plenário. Quem tiver mais votos ganha. Mas eu acho que não há a menor possibilidade concreta e real de alguém atrapalhar a Lava Jato.
E o projeto do Ministério Público Federal das Dez Medidas de Combate à Corrupção? Pode ser votado logo?
Eu subscrevi as “Dez Medidas”, deixando claro que é um projeto do Ministério Público para não parecer que eu estava pegando uma carona na proposta. Um grupo de procuradores me procurou e eu formalizei o projeto. Acho que já podíamos ter avançado mais nessa discussão. No projeto tem medidas que podem ser votadas facilmente. Mas há reações; gente que diz que algumas medidas são imperfeitas. Nesses casos, nós temos de avaliar e discutir.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve julgar no ano que vem a ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer. Se isso ocorrer, Temer perde o cargo e o Congresso vai eleger um novo presidente. Já existe alguma conversa de bastidor sobre essa possibilidade?
Eu não admito isso não. Tem de votar antes a emenda constitucional que eu fiz garantindo eleições diretas para a Presidência da República se o mandato for retirado por causas eleitorais. A PEC [proposta de emenda à Constituição] diz que a eleição tem de ser direta sempre, exceto nos últimos seis meses do mandato porque esse já é o período eleitoral e a posse do novo presidente logo acontece [a legislação atual prevê que, caso um presidente seja cassado por motivos eleitorais, nos dois primeiros anos de mandato a eleição é direta; depois, o Congresso escolhe]. Mas a PEC está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Eu acho que não dá para explicar para o povo que o Congresso vai eleger um presidente porque uma PEC ficou parada. O povo invade o Congresso. As pessoas não se conformariam com uma eleição indireta a essa altura.
O país teve uma presidente [Dilma] que sofreu impeachment, um presidente da Câmara [Eduardo Cunha] cassado e preso pela Lava Jato e um presidente do Senado [Renan Calheiros] também investigado pela operação. É o pior momento da política nacional desde que o senhor entrou na vida pública?
Não. Os piores momentos eram aqueles em que os atos irregulares eram praticados. Agora o país está fazendo a apuração dos fatos e a punição e prisão dos responsáveis. O momento atual é melhor do que aqueles.
Existem muitas análises de que a origem da corrupção no país está no modelo brasileiro para obter governabilidade no Congresso? O que fazer para mudar isso?
O professor Rudi Dornbusch, do MIT [Massachussets Institute of Technology, nos EUA], dizia que o problema do Brasil é incompetência, impunidade e corrupção. Eu cito sempre isso, preservando a autoria. Resolvendo isso, é muita coisa. Mas acho que a impunidade é o mal maior. A corrupção existe porque existem corruptos. Existem muitas explicações sobre o motivo de haver corrupção. Mas, se não houver o fim da impunidade, você esquece o resto. E nisso a Lava Jato está dando uma grande contribuição. Acho que nem o juiz Sergio Moro sabe exatamente o que isso representa em termos históricos.
O senhor votou pelo impeachment de Dilma. Como avalia o início do governo Temer?
Com alguma decepção. A composição que ele fez do ministério, na minha opinião, foi decepcionante. Também há atitudes que podem ser tomadas muito rapidamente, que não dependem de leis. Em poucas semanas ele poderia ter acelerado medidas urgentes que dão resultado. Mas não fez. Por exemplo: a gente vive uma crise de desemprego, e o Brasil ainda onera a folha de pagamento. É caro contratar uma pessoa. Outro exemplo: quando você olha a dívida, quanto devem para a União? É um número astronômico, uns R$ 6 trilhões. E a execução é lenta. Dava para vender parte da dívida a instituições que assumam o risco da cobrança. Também não acho boa a forma como ele fala com a população que vai resolver os problemas. A PEC 241 [que cria um teto para os gastos públicos] não vai resolver nada. Eu sou a favor de responsabilidade fiscal. Mas abordar a responsabilidade fiscal exclusivamente pelas despesas é enganar as pessoas. Tem o problema das receitas. E a reforma da Previdência... A justificativa é o déficit. Mas a previdência do trabalhador urbano é superavitária. O déficit está na previdência dos trabalhadores rurais, que em geral não contribuíram [para o INSS] e têm de ser amparados. Mas aí temos de buscar recursos no Tesouro. Não podemos jogar a solução nas costas do trabalhador urbano. Então, mentir para a população não levará a bons resultados.
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