Oposição quer CPI para apurar dívidas do estado
A bancada de oposição na Assembleia Legislativa vai propor hoje a criação de uma CPI para investigar o endividamento do estado. Com apenas seis deputados, porém, é praticamente impossível que os oposicionistas consigam reunir as 18 assinaturas necessárias ou aprovar a proposta em plenário. Em meio a uma série de problemas financeiros, o governador Beto Richa (PSDB) não compareceu ontem à abertura dos trabalhos legislativos de 2015.
Segundo dados do próprio Executivo, a dívida de curto prazo do estado aquela com fornecedores aumentou ao longo do ano passado. No final de 2013, o débito estava em R$ 1,1 bilhão. Ao fim de dezembro de 2014, o montante chegou a R$ 1,2 bilhão. Isso mesmo o Paraná tendo sido o estado com o maior aumento porcentual de receita corrente líquida entre dezembro de 2010 e abril de 2014: 56%, contra 24% de inflação acumulada no período.
"Nossa obrigação é apresentar [o requerimento de CPI]. Os deputados vão decidir se vieram aqui para fiscalizar ou apenas para dizer amém ao Executivo", afirmou o líder da oposição, Tadeu Veneri (PT). Em resposta, o líder do governo, Luiz Claudio Romanelli (PMDB), disse que nenhum deputado "vai ficar fazendo a vontade" de Veneri. "Cada parlamentar tem seu livre arbítrio na Casa. Mas uma CPI precisa ter um fundamento, conforme prevê a legislação. É difícil querer criminalizar a situação financeira do estado", rebateu.
Mais cedo, o principal assunto na Casa foi a ausência de Richa na sessão que sempre foi marcada pela presença do chefe do Executivo para discursar e entregar aos deputados a prestação de contas do ano anterior. Vaiado no domingo por um grupo de manifestantes, e pressionado pela crise financeira do estado, o tucano almoçou na Assembleia e foi embora. No seu lugar, estiveram em plenário a vice-governadora Cida Borghetti (Pros) e o chefe da Casa Civil, Eduardo Sciarra. "Todos têm seus compromissos de ordem pessoal e de governo, e nós respeitamos", minimizou o presidente da Assembleia, Ademar Traiano (PSDB).
Traiano diz que vai devolver o que sobrar, mas não mexe no índice
Atual presidente da Assembleia Legislativa, Ademar Traiano (PSDB) afirma que vai continuar devolvendo recursos ao governo. O tucano, porém, não vê com bons olhos a ideia de reduzir o porcentual do orçamento destinado ao Legislativo. Segundo ele, é obrigação constitucional do Executivo repassar verba à Assembleia, conforme o índice estabelecido em lei.
"Como instituição, não posso deixar de exigir aquilo que nos é de direito. Represento um poder e sou cobrado como tal pelos meus pares. Essa não é uma questão que envolve apenas o presidente", argumenta. "Qualquer possibilidade de redução dos porcentuais não passa apenas por nós, mas por um entendimento entre os poderes. Não posso entrar em conflito com eles. Preciso agir como magistrado no cargo de presidente."
Traiano ressalta ainda que o repasse de parte do orçamento aos poderes não é a razão para os atuais problemas de caixa do Executivo. "Há todo um conjunto de fatores, sobretudo o excessivo comprometimento do orçamento com o funcionalismo. Por isso, já estão sendo tomadas medidas de contenção de despesas."
Três legislaturas atrás, em 2003, a Assembleia Legislativa do Paraná tinha um "custo" por paranaense de R$ 15,59. Já em 2015, na legislatura que começou no último domingo, o orçamento da Casa corresponde a R$ 57,02 per capita um aumento de 265,8%.
INFOGRÁFICO: Veja o aumento do custo per capita da Assembleia Legislativa do Paraná
O crescimento é bem superior à inflação acumulada no período, medida pelo IPCA, que ficou em 83,05%. "A Assembleia é uma instituição importante, que precisa ser valorizada e respeitada. Mas ela não tem feito o dever de casa. Na análise custo-benefício, hoje ela é uma decepção", afirma o consultor em gestão pública Sir Carvalho.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelece que o governo do estado deve repassar até 3,1% da Receita Corrente Líquida (RCL) ao Legislativo. Apesar de poder repassar um porcentual menor, o Executivo costuma encaminhar o limite máximo de recursos à Assembleia. E, como a arrecadação cresce naturalmente ano a ano, o volume de dinheiro à disposição dos deputados só aumenta.
Entre 2003 e 2015, por exemplo, o orçamento do Legislativo estadual saltou de R$ 156,2 milhões para R$ 636,5 milhões elevação de 307,6%. Nesse período, porém, a população paranaense teve um crescimento de 11,4% e, por isso, o custo per capita subiu bastante.
Custo elevado
Professor de Ciência Política da UFPR, Fabricio Tomio destaca a importância de que a Assembleia tenha autonomia financeira em relação ao Executivo. Ele questiona, no entanto, o custo que isso representa. Segundo Tomio, apesar de 3,1% da RCL parecer pouco em relação ao orçamento total do estado, o volume de recursos é excepcional, sobretudo se comparado a outros países.
"Os parlamentos estaduais têm um custo muito elevado − político e administrativo −, que acaba impactando no orçamento estadual. O mesmo vale para os outros órgãos autônomos, como Tribunal de Justiça, Ministério Público e Tribunal de Contas", argumenta. "A grande questão é: esse custo é excessivo? Seria possível manter a representação política a um custo menor, permitindo maior disponibilidade de recursos do orçamento para outros fins? A resposta é sim, sem que isso ofereça qualquer prejuízo à autonomia e capacidade da Assembleia."
Na análise de Tomio, esse cenário é decorrente da "hiperprofissionalização" da representação política no estado. "Trata-se de uma política altamente profissionalizada e a um custo cada vez mais alto, com grande receita para manter uma enorme máquina administrativa e política." Enquanto a administração da Assembleia tem à disposição 360 cargos comissionados, cada um dos 54 deputados pode nomear livremente até 23 funcionários.
Para o consultor Sir Carvalho, os deputados estaduais não cumprem as funções para as quais foram eleitos, sobretudo a de fiscalizar o Executivo. "A base do governo simplesmente assina embaixo de qualquer coisa que o governo faz. A Assembleia, na verdade, é mera despachante do Executivo. Infelizmente, a autonomia entre os poderes é um factoide", diz. "Considerando tudo isso, estamos muito aquém de ter o Legislativo que os paranaenses bancam."
Proposta de redução no orçamento foi rejeitada
Na legislatura anterior, a Mesa Executiva da Assembleia Legislativa, comandada pelo hoje deputado federal Valdir Rossoni (PSDB), devolveu ao Executivo R$ 630 milhões. Tornou-se praxe ao final de cada um dos quatro últimos anos, a entrega de um cheque simbólico ao governador Beto Richa (PSDB).
Em 2012 e 2014, a bancada do PT propôs reduzir de 3,1% para 2,6% o porcentual do orçamento estadual destinado ao Legislativo. A proposta, porém, encontrou forte resistência e nem sequer foi aceita pela Comissão de Orçamento. "O orçamento aumenta exponencialmente, e a Assembleia mantém os mesmos 3,1%. Isso criou o mecanismo perverso do pai que aumenta a mesada do filho conforme sobe o próprio salário", afirma o deputado petista Tadeu Veneri. "Dessa forma, criam-se despesas para poder justificar a receita, afinal a estrutura é sempre a mesma."
Líder da oposição na atual legislatura, Veneri classifica a devolução de recursos ao governo como "artificial". "Esse dinheiro consta no orçamento previsto para a Assembleia, mas não se concretiza. Na prática, isso não existe. Como você vai devolver um dinheiro que permaneceu no cofre do estado? É uma ilusão contábil", diz. "Sem mencionar o jogo de conveniência entre o governador e alguns deputados na distribuição dessa verba pelo interior do estado."
Críticas
Para o consultor em gestão pública Sir Carvalho, a medida é um factoide, resultado do aumento sistemático do volume de verba destinado ao Legislativo. "Há uma superprojeção do orçamento, o que faz com que, ao final, os deputados digam que não usaram tudo o que estava orçado e que houve economia. Mas não houve. Houve superdimensionamento do orçamento da Casa", afirma. "E essa devolução é casada com negociações de liberações de recursos para determinadas regiões, aumentando o sistema cartorial no quadro político do estado."
"Ruim não é [a devolução de dinheiro], mas obviamente a medida cria um aspecto popular. Esse ato não tem o menor sentido. Deveria se imaginar, na verdade, um orçamento muito mais reduzido para a Assembleia", defende Fabricio Tomio, professor de Ciência Política da UFPR.
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