O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, condenado a 10 anos e 10 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha no processo do mensalão, quer o afastamento do ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), da relatoria dos autos da ação penal 470 e sua redistribuição para outro ministro da Corte. Em recurso de embargos de declaração, protocolado no STF ontem, a defesa de Dirceu pede a reforma do acórdão do mensalão, atribuindo ao relator Barbosa, hoje presidente do STF, "contradições, omissões e supressões inadmissíveis".
"A supressão das manifestações dos ministros prejudicou imensamente a compreensão do acórdão, inviabilizando a plena ciência da fundamentação adotada pelos julgadores da causa", afirma a defesa, subscrita pelos criminalistas José Luís Oliveira Lima, Rodrigo DallAcqua e Ana Carolina Piovesana.
Em nenhum momento os advogados tentam provar a inocência do cliente em relação ao entendimento do Supremo de que ele cometeu os crimes de corrupção ativa e quadrilha. Se concentram, porém, em apresentar argumentos de que a pena imposta a Dirceu foi calculada erroneamente e deve ser reduzida. Se a argumentação for aceita, ex-ministro se livraria do regime fechado imposto apenas para penas superiores a oito anos.
Os advogados afirmam que os ministros, durante o cálculo das penas de Dirceu, consideraram em dois momentos distintos o fato de ele ser apontado como o comandante do esquema para aumentar sua punição, o que não poderia ter ocorrido. Segundo o direito penal, um fato não pode ser considerado mais de uma vez na análise da culpabilidade de um réu. Com base nesse argumento, a defesa do ex-ministro pede a redução da pena base, tanto no crime de corrupção ativa, como no de formação de quadrilha, para que o fato de chefiar o esquema seja levado em conta apenas no momento dos agravantes.
"O acórdão foi contraditório ao exacerbar a pena duas vezes pelo mesmo fundamento. Tal contradição é inadmissível e viola entendimento do Supremo Tribunal Federal", alega a defesa do ex-ministro. Os advogados atribuem a Barbosa a contradição na fixação da pena a Dirceu pelo crime de corrupção ativa e pedem que sejam concedidos efeitos infringentes (alteração no resultado do julgamento) aos embargos de declaração, com "a consequente e necessária redução da pena base".
O recurso coloca como "questão preliminar" o deslocamento da relatoria. "Considerando que o ministro relator assumiu a Presidência do Supremo Tribunal Federal estes embargos de declaração devem ser redistribuídos para outro ministro, conforme interpretação dos artigos 38 e 75 do Regimento Interno do STF."
Publicação
Além de reivindicar um novo relator para o recurso apresentado, a defesa também quer que o tribunal publique trechos suprimidos do acórdão o documento que registra as decisões tomadas ao longo dos quatro meses e meio de julgamento. Mais de 1,3 mil falas foram suprimidas especialmente as dos ministros Celso de Mello e Luiz Fux.
"Muito além da ofensa ao Regimento Interno dessa Corte Suprema a supressão das manifestações dos ministros fere o princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais", diz a defesa do ex-ministro.
Defesa
Veja quais dos 25 condenados recorreram do julgamento até agora. O prazo para apresentação de recursos termina hoje.
José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil)
Pede a reforma do acórdão do mensalão, atribuindo ao relator ministro Joaquim Barbosa "contradições, omissões e supressões inadmissíveis". Solicita ainda a redução da pena-base pelo crime de formação de quadrilha e o afastamento de Barbosa da relatoria. Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de prisão, em regime fechado.
Marcos Valério (operador do esquema)
Pede a anulação do acórdão do julgamento. Solicita ainda a revisão das penas e alega que não deveria ter sido julgado pelo STF, mas sim pela primeira instância, por não ter foro privilegiado. Foi o réu que pegou a maior pena mais de 40 anos de prisão em regime fechado.
Simone Vasconcelos (ex-funcionária de Marcos Valério)
Pede a publicação de um novo acórdão e a redução de pena. Alega que teria tido participação "de menor importância" no esquema e que deveria ter a pena reduzida por colaborar com as investigações. Simone foi condenada a mais de 12 anos de prisão.
Deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP, foto 1)
Alega que os ministros citaram durante o julgamento que ele patrocinou um acerto de contas de campanha do PT com seu antigo partido, o PL, mas o condenaram por participar de um esquema de compra de votos no início do governo Lula. Compara a sua situação a de outros réus que atuaram na campanha presidencial de Lula em 2002 e foram inocentados. Valdemar foi condenado a 7 anos e 10 meses de prisão em regime semiaberto.
Cristiano Paz (ex-sócio de Marcos Valério, foto 2)
Contesta a condenação pelos crimes de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro. Pede a anulação do acórdão, alegando que o texto está incompleto. Alega ainda que houve omissão de Joaquim Barbosa em relação a provas apresentadas pela defesa. Foi condenado a 25 anos de reclusão.
Rogério Tolentino (ex-advogado de Marcos Valério, foto 3)
Contesta o fato de os condenados por corrupção passiva, a quem ele teria corrompido, terem sido punidos com base numa lei mais branda. Se o argumento for aceito, sua pena de seis anos e dois meses em regime semiaberto por lavagem de dinheiro e corrupção ativa pode ser reduzida em cerca de um ano.
PrazoSupremo não tem previsão de quando julgará recursos
Das agências
O prazo de dez dias para os condenados no processo do mensalão recorrerem acaba hoje, mas não há previsão de quando o Supremo Tribunal Federal julgará os recursos. Até o início da noite de ontem, 6 dos 25 condenados tinham protocolado recursos. Além de Marcos Valério e José Dirceu, recorreram o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP), o advogado Rogério Tolentino, o publicitário Cristiano Paz e Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Marcos Valério.
No início do ano, o ministro Joaquim Barbosa afirmou a jornalistas da imprensa internacional que esperava que até julho todo o caso estivesse concluído. No entanto, esse não é um entendimento de toda a Corte. Há alguns dias, o ministro Ricardo Lewandowski, revisor do julgamento, afirmou que o Supremo não deve ter pressa para finalizar o caso.
Julgamento
O STF concluiu no fim de 2012 o mais longo julgamento de sua história, que durou quatro meses e meio e acabou com 25 réus condenados. A corte concluiu que o mensalão foi organizado pela antiga cúpula do PT com a ajuda do empresário Marcos Valério. Seu objetivo, segundo os ministros, era comprar apoio para o governo no Congresso. O acórdão do julgamento foi publicado apenas no dia 22 do mês passado, após o prazo inicialmente previsto, abrindo prazo para que os réus pudessem contestar a decisão.