A possibilidade de a Operação Lava Jato vir a investigar a rede de influência do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Congresso e no governo federal ameaça “congestionar” ainda mais o Supremo Tribunal Federal (STF).
Especula-se que Cunha, caso feche um acordo de delação premiada, teria munição para comprometer até 160 deputados federais, além de outras autoridades que têm foro privilegiado.
Além disso, em outra linha de investigação, a Lava Jato apura o chamado “listão” da Odebrecht – uma relação de cerca de 300 políticos que teriam recebido doações eleitorais suspeitas da empreiteira. Grande parte deles só pode ser julgada pelo STF.
Tanto no Supremo quanto na própria Lava Jato há a preocupação com a capacidade de o tribunal dar andamento adequado à enxurrada de investigações que podem ficar sob sua responsabilidade. O receio é de que os julgamentos demorem muito e haja a sensação de impunidade.
Dois anos e um mês após o início das investigações da Lava Jato em Brasília, nenhuma autoridade com foro privilegiado foi julgada (absolvida ou condenada). Na 13.ª Vara Federal de Curitiba, o juiz Sergio Moro decretou 106 condenações em dois anos e sete meses da operação conduzida a partir do Paraná.
A lentidão do STF no caso da Lava Jato vem sendo motivo de intenso debate e até mesmo de atritos entre ministros do Supremo e a Procuradoria-Geral da República (PGR). No mês passado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o ministro do STF trocaram farpas sobre a lentidão da operação em Brasília.
Janot disse que STF tinha um “ritmo mais lento” porque o papel de origem do Supremo é julgar recursos e não formatar processos. Mendes retrucou: “Eu acho que há morosidade nas investigações na Procuradoria-Geral da República. Curitiba é muito mais célere que a Procuradoria-Geral da República. Isso é evidente”.
Foro privilegiado
O atrito entre Janot e Mendes acabou chamando mais atenção do que outra declaração do procurador: de que o foro privilegiado é a causa da lentidão dos julgamentos de autoridades pelo Supremo. O fim do foro, aliás, vem sendo visto dentro do STF como alternativa para desafogar a corte.
“O STF não está equipado nem é o foro adequado para fazer esse tipo de juízo de primeiro grau”, disse o ministro do STF Luís Roberto Barroso em maio. Em entrevista na última segunda-feira (17), foi a vez da presidente do STF, Cármem Lúcia, defender o fim do foro privilegiado para a maior parte das autoridades – mantendo-o apenas para presidentes da República.
Como a extinção do foro é de responsabilidade do Congresso, autoridades envolvidas com as investigações da Lava Jato em Brasília já estudam alternativas para acelerar os julgamentos. Dentre as medidas em avaliação estaria a convocação de um batalhão de juízes para auxiliar os ministros do Supremo.
Análise
Professor do mestrado em Direito da Unibrasil, Paulo Schier avalia que o fim do foro privilegiado não iria trazer um impacto tão significativo para o STF. Segundo ele, a quantidade de ações envolvendo autoridades, na comparação com outros processos que chegam ao Supremo, é muito pequena.
Schier entende que o problema da lentidão do STF é causado pelo fato de a corte ser um tribunal que recebe recursos de outras instâncias e não apenas uma corte para decidir sobre a constitucionalidade de determinadas questões, como ocorre em outros países. O professor da Unibrasil ainda acredita que seria muito difícil o Congresso mexer na Constituição para acabar com o foro privilegiado.
Já o professor de ética e filosofia política Roberto Romano, da Unicamp, afirma que o foro privilegiado foi incluído na Constituição de 1988 como um mecanismo de autopreservação de políticos que haviam dado sustentação à ditadura militar. Segundo Romano, eles temiam que passassem a ser investigados na primeira instância e, no STF, teriam mais poder de influência. Romano afirma que, do modo como o foro é usado no país, ele acaba sendo mais um combustível para a corrupção.
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