Brasília acorda nesta segunda-feira (13) na expectativa dos desdobramentos dos acordos de colaboração premiada dos executivos da Odebrecht, a chamada “delação do fim do mundo”. O procurador-geral da República Rodrigo Janot pretendia entregar ao Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada os pedidos de abertura de inquéritos contra autoridades citadas nos depoimentos dos executivos, mas a tarefa acabou ficando para esta semana.
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A expectativa é que Janot peça a abertura de cerca de 30 novos inquéritos na Lava Jato no STF para investigação de cerca de 200 nomes. É na Suprema Corte que são investigados políticos com prerrogativa de foro, como parlamentares e ministros, por exemplo.
E não é só Brasília que acorda apreensiva com o início do fim do mundo nessa segunda. Parte das investigações referente à delação deverá correr no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por envolver governadores dos estados. Pelo menos oito estados brasileiros devem ser impactados com as delações.
No Paraná, conforme mostrou a Gazeta do Povo, o governador Beto Richa (PSDB) aparece em uma planilha com valores de doações de campanha para políticos na eleição de 2010 apreendida pela Polícia Federal na deflagração da Operação Acarajé. Empresas usadas como “laranja” pela Odebrecht doaram R$ 200 mil ao PSDB do Paraná naquele ano.
Outra parte das investigações ainda deve ser remetida à Justiça comum por não envolverem políticos com prerrogativa de foro. Nesse caso, inquéritos devem ser abertos pela Polícia Federal (PF) em Curitiba e em outras cidades brasileiras, para fatos que não tenham relação com a corrupção na Petrobras.
Segunda lista
Os novos inquéritos no STF devem se somar aos cerca de 40 que já estão em tramitação desde março de 2015, quando Janot divulgou a primeira lista de 45 políticos com foro a serem investigados na Lava Jato no Supremo. A primeira lista teve origem nas delações premiadas do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa – primeiros grandes acordos firmados no âmbito da Lava Jato.
Rito no STF
Com o aval do relator do caso, ministro Edson Fachin, são abertos inquéritos para apurar fatos mencionados nos depoimentos dos delatores. A investigação é comandada pela Procuradoria-Geral da República;
Depois de investigar, a PGR pode pedir o arquivamento de algumas investigações, se entender que não há elementos suficientes para prosseguir;
Depois de concluir a investigação, a PGR oferece denúncia ao STF contra os políticos com prerrogativa de foro. Quem decide se aceita ou não a denúncia é o relator do caso;
Depois que o ministro relator aceita a denúncia, os acusados pela PGR viram réus no STF e passam a responder ao processo na Segunda Turma da Suprema Corte. Não há prazo definido para o término do processo.
De lá para cá, porém, apenas seis denúncias oferecidas pela PGR foram aceitas pelo STF, duas delas envolvendo o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB). Depois que Cunha perdeu o mandato, as ações penais vieram para Curitiba, sob os cuidados do juiz federal Sergio Moro.
O STF, portanto, tem apenas quatro processos resultantes da primeira “lista de Janot”: um contra a senadora Glieisi Hoffmann (PT) e seu marido Paulo Bernardo (PT); um contra o deputado federal paranaense Nelson Meurer (PP); um contra o deputado federal Aníbal Gomes (PMDB-CE) e outro contra o senador Valdir Raupp (PMDB-SC).
Fim do sigilo
Os pedidos de abertura dos novos inquéritos serão analisados pelo relator da Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin. Ele vai decidir se aceita ou não os pedidos de investigação propostos pela PGR. O ministro também vai analisar se derruba o sigilo das delações, tornando públicos os depoimentos dos executivos. Devem ser mantidos em segredo de Justiça, no entanto, os depoimentos relativos a esquemas de corrupção fora do país e trechos de colaborações em que for considerado que a publicidade pode atrapalhar a condução das apurações.
Estima-se que os 77 executivos da Odebrecht tenham prestado em torno de 900 depoimentos sobre o caso de corrupção envolvendo a empreiteira – a maior do país. Na semana passada, o STF pediu que veículos de imprensa de Brasília deixassem na Corte um HD externo com capacidade de 2 terabytes para terem acesso ao material. Ainda não há informações se os depoimentos serão disponibilizados em vídeo, áudio ou arquivos em formato pdf.
Para se ter uma estimativa do tamanho do arquivo que pode se tornar público nos próximos dias, em um HD de 2 terabytes é possível salvar um acervo de aproximadamente 400 mil músicas, ou ainda 1,4 mil filmes com duração de uma hora e meia – dependendo da resolução. Isso quer dizer que, dormindo por apenas oito horas diárias, uma pessoa precisaria de 300 dias ininterruptos para assistir a todo o conteúdo. Com o espaço também é possível salvar todos os debates eleitorais para governador e presidente e todas as propagandas eleitorais vinculadas na TV Globo desde a redemocratização política do Brasil.
Advogados dos executivos da empreiteira entraram na semana passada com pedidos no STF para evitar a divulgação dos vídeos dos depoimentos. O pedido é que apenas áudios e arquivos de textos sejam tornados públicos. Os defensores têm receio de que os ex-funcionários sejam reconhecidos e sofram represálias.
Classe política já começa a reagir
Enquanto Fachin não decide se tira o sigilo das doações, os políticos em Brasília já começam a dar sinais de reação e contra ataques. Ainda não há informações sobre quem são exatamente todos os 77 executivos que firmaram acordo com a PGR e a delação tem potencial de agitar a política brasileira.
O governo Temer já se apressou em dizer que não vai demitir ministros que forem apenas citados nos depoimentos. O presidente afirmou que vai afastar quem for denunciado, mas que só será caso de demissão quem virar réu no STF na Lava Jato.
Na prática, o presidente pode ter que promover mudanças na Esplanada dos Ministérios somente no final do mandato. Isso porque o tempo médio para que a PGR apresente denúncia depois da citação em delação é de 615 dias.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM) afirmou que as reformas propostas pelo governo federal não devem ser paralisadas por causa da Lava Jato. “Cada um precisa cumprir sua função. O parlamento e o Executivo precisam reformar o Estado brasileiro. E o Ministério Público e a Justiça estão fazendo seu trabalho. Que não se misture uma coisa [Lava Jato] com a outra [pauta econômica]”, disse.
O PDSB também já tenta adotar um discurso de que é preciso “separar o joio do trigo”, afirmando que é preciso tratar diferente casos de caixa dois para fins eleitorais e corrupção com finalidade de enriquecimento pessoal. ““Há uma diferença entre quem recebeu recursos de caixa dois para financiamento de atividades político-eleitorais, erro que precisa ser reconhecido, reparado ou punido, daquele que obteve recursos para enriquecimento pessoal, crime puro e simples de corrupção”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).