Os acordos de colaboração premiada firmados na Operação Lava Jato reduziram em ao menos 326 anos as penas dos condenados em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro. O número se refere a 28% do total de 1.149 anos aos quais todos os réus, delatores ou não, já foram sentenciados no esquema de desvios de recursos da Petrobras.
A redução pode ser maior, uma vez que no levantamento feito pela reportagem foram consideradas apenas as 15 colaborações cujos termos dos acordos vieram a público pela 13.ª Vara Criminal da Justiça Federal, em Curitiba.
O maior peso das condenações está no bolso dos colaboradores. Os condenados abdicaram de US$ 124 milhões e R$ 323 milhões, além de bens como imóveis de alto padrão, terrenos, carros importados, lanchas e participações societárias. Os recursos foram repassados para a Petrobras e a União.
As delações, em contrapartida, ajudaram não só a desvendar parte do esquema, que, segundo investigadores da Lava Jato, é responsável pelo desvio de mais de
R$ 6 bilhões, mas também a apontar a participação de outros envolvidos, entre eles detentores de foro privilegiado. Ao menos 49 políticos foram delatados.
Até agora, ao menos 65 réus da Lava Jato fecharam acordos de delação. Há negociações ainda em andamento, como a de Marcelo Odebrecht, presidente afastado da empreiteira que leva seu sobrenome, a maior do país.
As delações já computadas somam 400 anos de pena por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Após os acordos, nos quais os réus confessaram os delitos e se comprometeram a fornecer informações e documentos que auxiliem a investigação e a produção de provas, o total de penas chega a 74 anos. Entre os delatores, a redução dos anos é de 81%.
Os maiores beneficiados são também os que receberam as penas mais pesadas e os que fizeram as colaborações mais consistentes, com detalhamento do esquema e revelação do envolvimento de nomes importantes. Dois dos principais personagens da Operação Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, conseguiram reduzir suas penas em cerca de 140 anos.
Condenado a quase 80 anos de prisão por lavagem de dinheiro e organização criminosa, Youssef fez delação e deve cumprir pena em regime fechado entre três e cinco anos. Depois, passa para o regime aberto. Costa foi condenado a 74 anos, 6 meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem. Com o acordo, no qual foi o primeiro a revelar a participação de políticos, a pena foi convertida em um ano de prisão domiciliar, mais dois anos no semiaberto, com tornozeleira.
Para o procurador da República Paulo Roberto Galvão, integrante da força-tarefa, as colaborações são o “coração pulsante” da Lava Jato. “Não são suficientes por si só, pois precisamos acrescentar outras provas às palavras do delator, mas são essenciais para o início e a expansão das investigações”, diz.
Resistência das defesas à delação diminuiu após operação
- São Paulo
- Estadão Conteúdo Web
Presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a década de 1990, a colaboração premiada se disseminou com o avanço da Operação Lava Jato, modificando, com o tempo, a forma com que advogados e investigados encaram o instrumento. Se no início havia forte resistência, atualmente até ferrenhos críticos consideram a delação uma importante estratégia de defesa, “que veio para ficar”. Defensores, contudo, avaliam que a colaboração premiada carece de melhorias e sedimentação na jurisprudência brasileira.
Não tenho nenhuma simpatia pela delação, mas para atender os interesses do cliente a gente fecha o nariz e fecha o acordo.
Marcelo Leonardo, advogado da M. Júnior
“A delação é um instrumento antipático. Ninguém gosta de fazer. Nem o delator, nem o advogado. Mas veio para ficar e isso aconteceu em todos os países que adotaram o instrumento”, diz a advogada Fernanda Tórtima, que tem entre seus clientes o ex-presidente da Transpetro e delator Sérgio Machado. Segundo ela, é compreensível que o investigado que colabore com informações relevantes para a investigação tenha benefícios, como redução da punição. A advogada, no entanto, discorda que os acordos resultem em penas brandas e desproporcionais aos crimes cometidos. “É claro que o delator tem vários ônus, como a exposição pela confissão de crimes, restrições de liberdade e pesadas multas.”
Interesses
O criminalista Marcelo Leonardo afirma que, apesar de não ter simpatia pela delação, o advogado deve aceitar fazer quando esta for a vontade do cliente. “Não tenho nenhuma simpatia pela delação, mas para atender os interesses do cliente a gente fecha o nariz e fecha o acordo.” Leonardo representa a cúpula da empreiteira Mendes Júnior e o empresário Marcos Valério , que negociam acordo de delação na Lava Jato.
Um dos signatários de um manifesto contra práticas adotadas na operação, as delações entre elas, David Rechulsky alerta para a banalização o método. “Antes desta operação te garanto que 99% dos criminalistas não considerariam a delação como estratégia de defesa.”
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