Em mais um capítulo da queda de braço entre Polícia Federal (PF) e Ministério Público Federal (MPF), o delegado Eduardo Mauat da Silva, um dos responsáveis pela condução da Operação Lava Jato, acusou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de tentar “tolher as investigações da PF”.
Procurador diz que operação mostra apenas um “tumor”
- Rogerio Waldrigues Galindo
O procurador Deltan Dallagnol disse nesta sexta-feira (17) que as descobertas feitas pela Operação Lava Jato não são suficientes para “mudar o Brasil”. Um dos coordenadores da força-tarefa encarregada das investigações, Dallagnol afirmou que a Lava Jato “descobriu um tumor”. “Mas o problema não é um tumor. É que o sistema existente é cancerígeno, e produz um tumor após o outro”, disse. As declarações foram feitas em uma mesa-redonda feita pelo Ministério Público para discutir modos de combater a corrupção no país.
“Tudo que estamos fazendo na Lava Jato é interno ao processo. Para mudar as coisas de fato seria preciso atuar fora desse processo específico”, disse o procurador. Segundo ele, isso só pode ser atingido por meio de mudanças na legislação brasileira e em práticas das instituições encarregadas de investigar e punir corruptos. “O que podemos fazer é sugerir mudanças práticas. Normalmente somos pródigos em ideias e tímidos na ação”, afirmou.
Dallagnol citou a lista de dez medidas anticorrupção criada por integrantes do Ministério Público Federal e lembrou que alguns pontos são especialmente importantes para evitar que surjam novos grandes casos de corrupção no país. Entre eles, estão a redução do tempo de investigação e o aumento das penas aplicadas aos criminosos. “Hoje, as punições não são aplicadas, e quando são aplicadas são risíveis”, disse.
Quanto à velocidade do processo, o procurador destacou que é preciso restringir o número de recursos e criar modos que impeçam a prescrição das punições durante o processo. “Cito como exemplo o caso do Banestado, das contas CC-5. Entramos com uma série de ações na Justiça em 2005, e até agora quase ninguém foi punido”, disse.
Dallagnol também defende a criação de um tipo penal novo, o crime de enriquecimento ilícito. “É comum que se descubra que um agente público enriqueceu muito e rapidamente depois de assumir um cargo. Mas é muito difícil descobrir como isso aconteceu quando o prefeito ou o governador assina centenas, milhares de atos por semana. Qual desses criou o enriquecimento?”, disse.
O delegado cobrou explicações públicas de Janot sobre o pedido de suspender depoimentos que seriam tomados no Supremo Tribunal Federal (STF) esta semana, com o objetivo de “redefinir estratégias” do caso. O pedido foi acatado pelo relator do caso, ministro Teori Zavascki. A expectativa é que os depoimentos só sejam retomados na próxima semana.
A medida deve atrasar os trabalhos nos processos relacionados a 40 políticos e operadores que estão sendo investigados no Supremo por suposto envolvimento em desvios na Petrobras. Entre os investigados estão os presidentes da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
“Se ele [Janot] não se explicar, vai ficar em uma situação complicada, porque é um cargo político, ele foi indicado pelo governo”, disse Mauat. Ao ser perguntado se poderia haver uma tentativa de asfixiar as investigações para beneficiar parlamentares, o delegado foi evasivo. “Não sei. Mas se querem, estão no caminho certo”, afirmou.
Mauat citou ainda que o relacionamento entre a PF e o MPF no Paraná é “muito bom”. “Por isso as coisas estão funcionando”, disse ele. “Por que as coisas aqui andam e lá [no Supremo] não andam? Os parlamentares já estão presos aqui”.
Agentes sem diárias
Para Mauat, um dos motivos que denotam falta de interesse do Executivo na continuidade das investigações seria a limitação orçamentária. Segundo o delegado, os policiais federais deslocados de cidade para atuar na Lava Jato estão há dois meses sem receber diárias, de cerca de R$ 200 por dia. “Você pode matar uma operação se tirar os recursos dela”, afirmou o delegado.
De acordo com o presidente do sindicato dos delegados da PF no Paraná, Algacir Mikalovski, o valor corresponde a cerca de 25% do que recebe um promotor de Justiça. Mauat, que é locado em Porto Alegre (RS), diz não receber diárias há pelo menos 60 dias. Ainda de acordo com Mikalovski, os cortes no orçamento da PF são “contínuos”.
Ministério Público
Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) afirmou que as investigações da Lava Jato no âmbito do Supremo são de competência do MPF. A entidade diz que essa titularidade “não será turbada por demandas e insatisfações de cunho meramente corporativo”. O MPF ainda não se manifestou oficialmente sobre o assunto.
combate à corrupção
Dez sugestões do MPF:
enriquecimento ilícito
A ideia é a criminalização por enriquecimento ilícito de agentes públicos: não seria preciso descobrir a origem do dinheiro.
Prevenção
Transparência e proteção à fonte de informação.
partidos
Responsabilização das siglas e criminalização do caixa 2.
crime hediondo
Aumento das penas e crime hediondo para corrupção.
prescrição
Evitar que a pena prescreva sem que haja punição.
rapidez
Celeridade nas ações de improbidade administrativa.
recursos
Mudança no Código de Processo Penal para evitar recursos inúteis.
nulidade
Evitar que os processos sejam declarados nulos por erros pequenos na investigação ou na ação penal.
prisão preventiva
Para assegurar a devolução do dinheiro desviado.
dinheiro
Recuperação do lucro derivado do crime.
Horas depois das críticas lançadas pela PF, o Ministério Público do Paraná realizou uma mesa-redonda para tratar sobre crimes de corrupção. O embate com a PF não foi abordado diretamente, mas o procurador-geral do estado, Gilberto Giacoia, comentou que sociedade é a única que perde com a medida de forças. “Tem que se utilizar as estruturas públicas a favor da sociedade. Essas divergências já deveriam estar superadas”, disse. “Se o MP toma iniciativa, não tem porque a polícia se sentir invadida”.
História conturbada
O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal historicamente travam disputas com relação a competências em investigações. A situação se agravou em 2013, quando a PF encampou um projeto que tramitava no Congresso Nacional e tentava retirar poder de investigação do Ministério Público. O projeto foi arquivado após a repercussão do caso e as manifestações de junho daquele ano, que levaram multidões às ruas para protestar contra a corrupção no país.
Polícia Federal cobra autonomia em relação ao Palácio do Planalto
- Amanda Audi
A Polícia Federal (PF) também apresentou, na manhã desta sexta-feira (17), um conjunto de medidas que poderiam ajudar a acabar com a corrupção, no entendimento da instituição. A principal bandeira é a autonomia da PF em relação ao governo federal. Com isso, a instituição teria mais liberdade para atos próprios e orçamento próprio. Esta manifestação da PF ganhou força desde que a população começou a manifestar apoio pela organização no combate aos desvios na Lava Jato, principalmente nas últimas manifestações anti- Dilma.
Para a PF, os meios para o combate à corrupção que se dispõem atualmente são “escassos”. “Os avanços que têm sido feitos se devem muito mais ao destemor, arrojo e perseverança dos delegados, do que a uma estrutura institucional favorável”, diz o texto elaborado pela instituição. Caso as medidas sejam adotadas, seria proibido por lei fazer contingenciamentos no orçamento da PF. Esse é um dos pontos mais polêmicos que a instituição quer que seja votado no Congresso.
A PF também sugere a criação de delegacias especializadas em combate à corrupção nas superintendências de cada região do país. E que o mandato de delegado-geral, indicado pela presidência da República e sabatinado pelo Senado, seja limitado a cinco anos, sem recondução.
Outras opções são de cunho prático: adoção de processo eletrônico; unificar o registro de identidade civil, para que dados dos cidadãos possam ser acessados em qualquer estado; e estudos para a criação de varas na Justiça Federal especializadas em improbidade administrativa.
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