Cassação: Demóstenes tem "missão impossível", diz Alvaro
O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, classificou de "missão impossível" a tentativa do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) de se livrar da cassação de mandato, tanto no Conselho de Ética quanto no plenário da Casa
- Demóstenes nega ser sócio oculto da Delta
- Gurgel prevaricou, acusa Demóstenes Torres
- Demóstenes nega participação em esquema de jogo ilegal
- Em sua defesa, Demóstenes admite amizade com Cachoeira
- Senador cita Deus e diz que sofre campanha sistemática
- Demóstenes temia "flagra" de sua relação com Delta
O senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO, atualmente sem partido) prestou depoimento, nesta terça-feira (29), no Conselho de Ética do Senado. Demóstenes responde a processo por quebra de decoro parlamentar, por suspeita de envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira.
O site da Gazeta do Povo mostrou o depoimento ao vivo, via um canal da TV Senado na internet.
Veja fotos do depoimento de Demóstenes Torres no Sebado
Durante o depoimento, o senador disse que "jamais" teve qualquer atuação no esquema de jogo ilegal de Cachoeira, mas admitiu ter amizade com o contraventor e reconheceu que ele era responsável pelo pagamento de sua conta de telefone.
"Eu jamais tive participação em qualquer esquema de jogo ilegal" disse.O senador disse que nunca foi "lobista" da liberação dos bingos, proposta que está em tramitação na Câmara dos Deputados. Grampos telefônicos feitos na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, sugeriram a atuação do parlamentar. "O projeto continua onde sempre esteve", disse. "Digo aos senhores: que lobista sou eu que não procurei nenhum colega para aprovar a legalização de jogo?", disse.
Em depoimento que durou cerca de 5 horas, o senador rebateu todas as acusações de que teria atuado em favor do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, ou de que teria participação em negócios do bicheiro. No depoimento, que começou por volta das 10h e acabou às 15h30, o senador disse que enfrenta o "pior momento" da sua vida por ser vítima de uma "campanha sistemática orquestrada" para prejudicá-lo. O senador disse ainda que "redescobriu Deus" em meio às acusações.
Além do processo no Conselho de Ética, Demóstenes é também alvo de inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que solicitou ainda a quebra do sigilo bancário do senador por suas ligações com Cachoeira, preso desde fevereiro acusado de comandar uma rede de jogos ilegais.
Durante a sessão em que se defendeu das acusações, o senador usou páginas do inquérito que tramita no Supremo para dizer que não tem qualquer participação no esquema de jogos ilegais e que não foi alvo das investigações da Polícia Federal. "Nunca sofri tanto na minha vida. Sou homem que tenho vergonha na cara. Fiquei um mês para entrar no Senado e ter coragem de olhar para os senadores. Ninguém pode usar o nome de Deus como estratégia de defesa. Eu sou um carola. Já era por conta da minha mãe, mas confesso que fiquei nesse tempo meio perdido."
Traição
Em resposta a um questionamento do senador Humberto Costa (PT-PE), Demóstenes afirmou se sentir traído por Cachoeira, com quem admitiu relação de amizade. "Sim [me senti traído], acho que todo mundo que se relacionou com ele e não teve conhecimento [de seus ilícitos]. Todos nós ficamos na pior situação."
Demóstenes admitiu ter recebido um rádio Nextel de presente de Cachoeira, mas negou que falava exclusivamente com o empresário. Ele considerou um "erro" ter recebido o presente. "Hoje é fácil verificar que foi um erro. Eu não imaginava a dimensão que isso teria, mas não tinha a lanterna na popa e não tinha como adivinhar que isso seria utilizado com outras finalidades. Mas não é crime receber o rádio Nextel e eu não sabia que outras pessoas tinham recebido."
O senador confirmou que recebeu inúmeros pedidos de Cachoeira, inclusive para fazer lobby em favor do empresário no Congresso e no governo. Demóstenes confirmou que foi à Anvisa pedir em favor da empresa farmacêutica do empresário, mas disse que repetia essa conduta para várias empresas do estado de Goiás. "Nem tudo que se diz, se faz. Às vezes, para se livrar de um interlocutor, de uma conversa. Muita coisa não aconteceu porque eu não fui atrás. Eu fazia isso por gentileza, como fazia com muitos outros."
Procurador-geral Após ser questionado sobre o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pelo senador Fernando Collor (PTB-AL), Demóstenes acusou o procurador de prevaricar e omitir-se ao não dar prosseguimento à Operação Vegas da Polícia Federal. "Eu compreendo desta forma. O processo penal é regido pelo princípio da obrigação. Não tem o procurador-geral o condão de dizer quando vai atuar. Mais dia, menos dia, ele vai ter que explicar porque fez dessa forma. A ação é sem amparo", disse o senador.
Demóstenes disse que o chefe do Ministério Público Federal deveria ter tomado alguma ação diante do inquérito, como pedir diligências ou dar prosseguimento com o inquérito. "Ele prevaricou", disse Demóstenes.
Gurgel disse em ofício encaminhado ao Congresso ter entendido, à época, não ter encontrado indícios suficientes para encaminhar a investigação para o STF e que o retardamento das investigações poderia ocasionar na produção de novas provas.
Depósitos
Disposto a falar sobre todas as acusações da Polícia Federal --e não apenas sobre o processo que tramita no Conselho--, o senador negou ter recebido R$ 3 milhões de Cachoeira, como confirma um dos diálogos da operação. "Estou entregando cópia de minha duas contas, provando que no período em nenhum momento foi depositado R$ 1 milhão em minha conta. Nem R$ 1 milhão, nem R$ 1 mil, nem R$ 3 milhões, em nenhum momento isso entrou na minha conta ou me foi dado de qualquer outra maneira."
Sobre os R$ 20 mil que teriam sido entregues a ele pela organização de Cachoeira, Demóstenes disse que os áudios captaram um diálogo truncado --uma vez que nunca recebeu os recursos. O operador de Cachoeira, Gleyb Ferreira, teria ido à sua casa na véspera de seu segundo casamento para lhe entregar um presente, mas não o dinheiro, como o áudio dá a entender.
Lobby
Sobre o grampo em que foi flagrado avisando Cachoeira de uma operação da Polícia Federal que seria realizada contra jogos de azar, Demóstenes disse que fazia "testes" com o empresário para confirmar se ele, como argumentava, havia deixado a ilegalidade.
"Num dos momentos, eu joguei verde em cima dele. Eu disse que tem operação conjunta da PF com o Ministério Público que nunca se realizou e nunca foi cogitada. Ainda assim eu fazia esses testes com ele. Eu pergunto: que lobista sou eu que nunca procurei nenhum colega senador para aprovar jogo, para discutir sobre legalização de jogos? Eu peço que eu seja julgado pelo que eu fiz, não pelo que eu falei que iria fazer."
Demóstenes disse que nunca usou aviões de Cachoeira, ou pagos pelo empresário, mas admitiu que utilizou aeronaves cedidas por "empresários e amigos". Sobre a intensa troca de telefonemas com o empresário, 416 em que foi flagrado pela polícia, disse que o número é "pequeno" diante do total de ligações feitas no período da operação --cerca de 200 mil.
Governadores
No depoimento, Demóstenes disse que Cachoeira mantinha relações com políticos, empresários e governadores. Ao ser questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) sobre quem seriam os governadores que mantém relações com o empresário, desconversou. "Alcaguete eu não sou. Não vou declinar nome de quem quer que seja. Está na imprensa. Qualquer um que queira checar, vá lá e pegue."
Ministros
O senador admitiu que procurou ministros do STF e do governo federal para defender interesses de Goiás --mas negou ter atuado em qualquer encontro em favor de Cachoeira. Ele confirmou viagem a Berlim (Alemanha) com o ministro Gilmar Mendes, mas negou que tenham utilizado aeronaves cedidas por empresários. Demóstenes disse que os dois se encontraram em Praga (República Tcheca), foram a Berlim e retornaram ao Brasil em voos separados --sem que Cachoeira estivesse na viagem.
O senador confirmou que, numa conversa flagrada pela PF, mencionou dívida das Centrais Elétricas de Goiás de R$ 2,3 milhões que poderia ser revertida pelo STF. Demóstenes disse que apenas citou a Cachoeira que Mendes havia dado "repercussão geral" sobre o tema, mas negou ter pedido apoio ao ministro no caso.
"A empresa estava em via de ser privatizada, melhor dizendo, federalizada. As dívidas se avolumaram e ali eu comemorava decisão de ministro do Supremo que poderia tirar das costas da Celge ação de R$ 2,3 bilhões que não diz respeito a ninguém. Quem toca a empresa é o governo de Goiás. Não há interesse de quem quer que seja, a não ser o interesse público."
Gravações
Demóstenes admitiu que era a sua voz em várias interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal, mas colocou dúvidas sobre outras. "Muitas conversas eu travei, mas muitas foram montadas e editadas. Por isso há requerimento para a perícia ser feita. O julgamento é político, mas é uma espécie do julgamento administrativo, que não está desacobertado dos preceitos constitucionais que regem todo o processo judicial e administrativo. É previsto explicitamente na resolução (a perícia)."
A próxima reunião do Conselho de Ética deverá ser destinada à apreciação de requerimentos apresentados pela defesa, entre eles, o pedido para que seja autorizada perícia nos áudios das conversas entre Demóstenes e Cachoeira.