Menos de três meses depois de receber um avião bimotor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ) finaliza hoje uma licitação para contratar a fornecedora de um jatinho para locação. Pelo edital, o TJ poderá utilizar até 35 mil quilômetros de voo por ano, a um preço máximo de quase R$ 17 por quilômetro. Nesse cenário, o custo anual aos cofres públicos poderá chegar a cerca de R$ 600 mil.
O caso chamou a atenção da Corregedoria do CNJ, que determinou a abertura de um procedimento para apurar os motivos da licitação. A seção paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) já se manifestou contrária à medida, que, segundo a entidade, "contrasta com a grande necessidade de investimentos na Justiça estadual, sobretudo no 1.º grau". Já o presidente do TJ, desembargador Miguel Kfouri Neto, defendeu a licitação e disse que vai prestar esclarecimentos ao CNJ.
A licitação foi aberta na semana passada para a contratação de "serviços de transporte aéreo, por meio de fretamento eventual de aeronave". Pelo edital, que prevê a realização de pregão eletrônico, o avião deve levar no mínimo sete passageiros, além dos tripulantes, ter velocidade média de 500 quilômetros por hora e autonomia de voo de seis horas. Vencerá quem oferecer o menor preço por quilômetro voado o teto é de R$ 16,917.
CNJ de olho
A decisão do TJ causou surpresa ao CNJ. No dia 13 de junho, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, esteve em Curitiba para doar um avião ao Judiciário paranaense. Apreendida do tráfico de drogas, a aeronave, com capacidade para quatro pessoas, além da tripulação, é uma das 19 que o conselho vem repassando aos judiciários estaduais.
Um dos presentes na cerimônia de entrega do avião, o conselheiro do CNJ Jefferson Kravchychyn decidiu levar a licitação à Corregedoria do conselho. Para ele, trata-se de um gasto desnecessário, que deixa transparecer que o TJ está em descompasso com a realidade social. "É só ir ao Fórum Cível da capital para ver a dificuldade de trabalho, a falta de servidores, de equipamentos", criticou. "O Paraná recebeu um dos melhores aviões que entregamos, que pode descer em todas as pistas do estado. Um jato, ao contrário, só vai descer em quatro ou cinco pistas, além de ter um custo absurdo de operação."
Uma fonte da Corregedoria do CNJ classificou como "espantosa" a decisão do TJ. "Esse gasto contrasta com os problemas do Judiciário do Paraná, como, por exemplo, na estrutura do prédio do Juizado Especial em Curitiba", afirmou. Segundo ele, depois de ouvir a presidência e a corregedoria do tribunal, o conselho poderá recomendar ou até mesmo determinar a revogação da concorrência.
Para o presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, a medida caminha no sentido contrário de melhorar os serviços prestados aos paranaenses. "Quando brigamos por mais investimentos, é para setores que promovam essa melhora. É a soma de várias economias que faz com que um tribunal possa ter recursos suficientes pra atender às demandas necessárias, sobretudo a falta de juízes", disse. "Como até agora essa licitação não foi bem explicada e justificada, não consigo entender a decisão do TJ."
Outro lado
O presidente do TJ, desembargador Miguel Kfouri Neto, disse que prestará as informações necessárias ao CNJ e defendeu que somente o tribunal sabe o que é necessário para si próprio. "Essa é uma questão de administração interna do TJ", afirmou.
Segundo Kfouri, a ideia é garantir que o tribunal possa alugar um avião em casos emergenciais. Ele ressaltou que a locação só será feita para viagens a cidades do estado que não tenham voos comerciais. "O fretamento é mais caro que uma linha comercial, mas há áreas, como Guaíra ou União da Vitória, para onde não há voo regular e pode ser preciso voar numa emergência", justificou.
Kfouri alegou que o avião doado pelo CNJ até agora não pôde ser utilizado, pois está na dependência de uma revisão, ainda em fase licitatória. "Há também o fato de a aeronave ter de ser dividida entre Justiça trabalhista, eleitoral, federal, estadual e na coleta de órgãos para doação".
O presidente do TJ disse ainda que o tribunal nunca investiu tanto na criação de varas e de cargos de juízes e assessores de juiz e na construção de novos fóruns. "Que me perdoe o CNJ, mas é preciso examinar o conjunto do que estamos fazendo. R$ 600 mil é uma gota dágua num oceano de investimentos; não é nada perto dos investimentos que temos feito", afirmou. "Além disso, o Tribunal de Contas estará analisando todas as nossas despesas para ver se há desperdício de dinheiro."
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