Sob tensão com a proximidade da divulgação da “lista de Janot”, com pedidos de inquéritos baseados na delação de executivos e ex-executivos da Odebrecht, a Câmara prepara um projeto para deixar claro que só poderá haver punição se ficar provado que o político recebeu propina por meio do chamado “caixa 1”. A medida faz parte de uma reação para evitar o que os parlamentares estão chamando de “criminalização” das doações eleitorais registradas.
Além dessa proposta, o Congresso articula uma anistia a crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica quando relacionados a doações oficiais. Para isso, parlamentares trabalham em um projeto que tipifica o crime de caixa 2. Uma das linhas estudadas é deixar claro, em um parágrafo da proposta, que a prática de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica com fins eleitorais deve ser enquadrada como caixa 2.
Atualmente, na ausência da tipificação criminal do caixa 2, investigadores enquadram os praticantes do ato nos outros dois crimes. A ideia dos parlamentares é, ao tipificar o caixa 2 como crime, estabelecer expressamente que quem cometeu a irregularidade antes da aprovação do projeto - o que incluiria, na ótica dos parlamentares, a lavagem e a falsidade - não pode ser punido e, portanto, está anistiado.
As conversas sobre a redação de propostas que abrangem tanto a doação registrada como a anistia ao caixa 2 foram levadas a ministros de tribunais superiores. Parlamentares se queixaram aos ministros do posicionamento da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal que recebeu denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Ele virou réu no âmbito da Lava Jato por ter recebido suposta propina por meio de uma doação registrada. A denúncia da PGR foi a de que os R$ 500 mil doados oficialmente pela construtora Queiroz Galvão à campanha de Raupp ao Senado em 2010 seriam “propina disfarçada” oriunda de esquema de corrupção da Diretoria de Abastecimento da Petrobrás.
Decepção com o Supremo
A blindagem ao “caixa 1” passou a ser foco dos parlamentares nesta semana, após a decisão do Supremo. De acordo com relatos de congressistas a integrantes do Judiciário, senadores se decepcionaram com o resultado no Supremo.
Eles consideravam que ao menos parte substancial dos cinco ministros da Turma, incluindo o ministro Gilmar Mendes, rejeitaria a tese jurídica de que a doação oficial para campanha pode ser um crime de corrupção. Mas a denúncia foi recebida por unanimidade na Segunda Turma, com relação à prática de corrupção passiva.
De acordo com uma influente liderança do Congresso, a decisão do STF sobre Raupp esquentou a discussão e fez com que parlamentares começassem a pensar uma série de reações.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já começou a ser pressionado por deputados para aproveitar a discussão e votar propostas sobre o tema. Maia diz que ainda não está tratando do assunto, mas disse que “essa discussão tem que se dar de forma transparente”. “O texto a ser votado tem que ser apresentado antes. Não podemos enganar a sociedade sobre o que se pretende fazer”, afirmou.
Intimidado
Relator da comissão especial da reforma política na Câmara, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) disse que os parlamentares ainda estão tentando elaborar os textos das propostas. “Do jeito que está indo ninguém sabe onde vai parar, com essas interpretações exageradas de juízes, inclusive do STF. Tem que tentar construir uma linha em defesa do Brasil, para esclarecer todas essas questões”, afirmou o petista. “O Legislativo está intimidado com essas questões todas.”
Para o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), o entendimento do STF é “uma coisa horrorosa”. “Em havendo denúncia comprovada de propina é preciso que se apure e se puna, é claro, mas criminalizar o caixa 1 é uma clara demonstração de que a separação dos poderes está com dificuldade.”
Além das propostas sobre doação eleitoral, deputados pressionam o presidente da Câmara a pautar projetos já existentes para blindá-los da Lava Jato. Entre essas propostas, está o que estabelece novas regras para acordos de leniência. Por meio da proposta, querem estabelecer que os acordos não terão repercussão penal, uma pena para vazamentos seletivos e ainda alterar a lei de delação premiada para estabelecer que acordos de colaborações só poderão ser fechados se o delator estiver em liberdade.
Parlamentares também querem que Maia paute projeto para derrubar a decisão do Supremo de autorizar prisão a partir da condenação em 2ª instância. Um projeto nesse sentido foi apresentado pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ) em março de 2016. A proposta está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mas o petista já apresentou requerimento para tentar votar a matéria diretamente no plenário.