Desde o processo de redemocratização, em 1988, mais de 500 parlamentares foram investigados ou respondem a ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF). Desses, apenas 16 foram condenados no exercício do mandato por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verba pública; oito cumpriram ou ainda cumprem pena; outros três recorreram da condenação e cinco conseguiram escapar da pena por prescrição. Os únicos presos hoje são os ex-deputados Natan Donadon (ex-PMDB-RO), cuja pena é cumprida em regime semiaberto; e, em prisão domiciliar, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), os três últimos condenados no mensalão.
Levantamento do Congresso em Foco obtido pelo GLOBO, que já leva em conta a nova legislatura, revela que hoje tramitam no Supremo um total de 358 investigações entre inquéritos e ações penais contra ao menos 172 parlamentares, aproximadamente um terço do Congresso Nacional. No total, 141 deputados e 31 senadores são investigados ou respondem a processos em quase 60 tipos de crimes. Entre eles, 56 parlamentares são réus em ações penais que correm no STF (cinco senadores e 51 deputados). Um mesmo parlamentar pode ser alvo de mais de um inquérito e ainda réu em outros processos. Esse número pode ser maior, uma vez que há casos que correm em segredo de Justiça e outros sobre os quais ministros não disponibilizam informações a respeito do investigado no sistema de registros do STF.
De acordo com os dados, apenas sete partidos, dos 28 representados nas duas Casas legislativas, estão com a ficha limpa. Entre as siglas com mais investigados, o PP está à frente com folga: quase 70% de sua bancada é alvo de investigação. Em segundo, vem o PR (39%), seguido de PMDB e PDT (35%), PSDB (24%) e PT (21%). As acusações mais comuns são, nesta ordem: crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores (75), crimes da Lei de Licitações (71), corrupção passiva (69), peculato, quadrilha, crimes eleitorais, de responsabilidade, contra o sistema financeiro e a ordem tributária.
De todos os casos do levantamento, só dois deputados (Nelson Marchezan Junior/PSDB-PR e Rocha/PSDB-AC) e um senador (Roberto Requião/PMDB-PR) têm pendências no Supremo exclusivamente por crimes de opinião.
A grande quantidade de processos distribuídos por ministro, aliada à morosidade do trâmite judiciário e à infinidade de recursos possíveis para protelar as decisões judiciais, estão entre as justificativas para a lentidão dos julgamentos.
Casos emblemáticos
Entre os casos mais emblemáticos do levantamento está o do senador Ivo Cassol (PP-RO). Condenado em agosto de 2013 a quatro anos e oito meses de prisão por fraude em licitação quando era prefeito de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002, o parlamentar — primeiro e único integrante do Senado a ser punido pela mais alta Corte do país — vem protelando o quanto pode o cumprimento da pena para não acabar atrás das grades.
Cassol é o senador com mais pendências no Supremo. Ele aparece em dez investigações: duas ações penais por calúnia e crime eleitoral e outros oito inquéritos por peculato, improbidade administrativa, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, corrupção passiva, crimes contra o meio ambiente, sistema financeiro e Lei de Licitações.
Réu em quatro ações penais e alvo de oito inquéritos por delitos como peculato, corrupção passiva e crimes contra o meio ambiente, o deputado Roberto Góes (PDT-AP) lidera a lista na Câmara. Ele teve seu mandato de prefeito de Macapá cassado em 2008 e chegou a ficar preso na Penitenciária da Papuda em decorrência da Operação Mãos Limpas, que apurou esquema de desvio de verbas federais por servidores públicos e políticos.
Já o deputado Veneziano Vital do Rêgo (PMDB-PB) — irmão do ministro do TCU Vital do Rêgo — aparece na segunda colocação com mais processos: são dez inquéritos e uma ação penal. Durante o período em que foi prefeito de Campina Grande, de 2005 a 2012, ele acumulou processos por violação à Lei de Licitações e vantagem indevida. O GLOBO tentou contato com Cassol, Góes e Veneziano, mas nenhum deles retornou as ligações.
Fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e um dos mentores da Lei da Ficha Limpa, o juiz Marlon Reis ressalta que o baixo número de condenações de parlamentares está diretamente ligado à impunidade contra autoridades no país. Segundo ele, diversos fatores podem explicar a morosidade da Justiça nas análises dos processos e eventuais condenações:
“Esse número é a mais cabal demonstração da impunidade. A institucionalidade brasileira não consegue aplicar a lei penal contra altos mandatários e deixa a impressão de que a Procuradoria-Geral da República é formada por incompetentes que não têm o mínimo crivo para apresentar elementos que sustentem uma ação penal”, afirma o juiz.
Na opinião de Reis, o fato de os ministros do STF estarem sobrecarregados colabora também para essa lentidão se arrastar:
“Os ministros estão com suas mesas lotadas de processos, e os tribunais de primeira instância não têm vocação institucional para instruir processos e auxiliar na coleta de provas”, avalia o juiz.
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