Vários foram os personagens que atuaram na linha de frente ou nos bastidores para viabilizar o processo de transição do regime militar para a democracia. Um processo que culminou, em 5 de outubro de 1988, na aprovação de um novo texto constitucional para o país, a chamada Constituição Cidadã, como definiu o então presidente da Câmara e da Assembléia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães (PMDB-SP). A Agência Brasil conversou por mais de uma hora, esta semana, com um desses personagens, o hoje senador Marco Maciel (DEM-PE), um político conhecido pela sua atuação nos bastidores.

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Há 20 anos, Maciel estava do outro lado da Esplanada dos Ministérios, no comando da Casa Civil da Presidência da República do governo José Sarney.

No entanto, as articulações do parlamentar no processo de abertura remontam aos governos militares, principalmente no do general Ernesto Geisel, que deu início ao processo da "abertura política lenta e gradual".

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Para o senador, não se pode falar sobre a Assembléia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro de 1987, sem vinculá-la "a um processo bem sucedido de saída do regime militar para o Estado democrático de direito".

Esse processo teve início efetivo em 13 de outubro de 1978, quando o Congresso promulgou a Emenda Constitucional nº 11, encaminhada pelo então presidente militar general Ernesto Geisel

O texto dessa emenda revogou os atos institucionais e restaurou as imunidades parlamentares.

Na época, ocupava a presidência do Senado Petrônio Portella, da antiga Arena, em quem integrantes do governo, especialmente o então ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, general Golbery do Couto e Silva, apostava suas fichas como o sucessor civil do regime militar.

O senador Marco Maciel lembra que, em nome do governo Geisel, Portella foi o interlocutor com a oposição e representantes da sociedade civil na condução do processo de abertura política.

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"Nós tivemos, na realidade, duas 'missões Portella'. Uma delas foi com esse objetivo. Eu mesmo tive a ocasião de visitar órgãos como a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], tive uma reunião com Raimundo Faoro, que era presidente da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], em um congresso em Curitiba. Terminamos a reunião durante a madrugada", relatou Maciel.

Esse entendimento, de acordo com Marco Maciel, foi "o processo embrionário" que redundaria na Assembléia Nacional Constituinte e, por conseqüência, ao retorno do Estado democrático.

No início dos anos 80, alguns episódios abriram caminho sucessão civil dos militares, no Colégio Eleitoral, um instituto criado pelo então regime. Entre eles, a morte de Petrônio Portella, em 1980, e o fracasso da campanha das Diretas-Já, em 1984.

O senador lembra que, do lado governista, surgiram as candidaturas presidenciais de Paulo Maluf, do então ministro do Interior coronel Mário Andreazza, do ex-ministro da Desburocratização Hélio Beltrão e do vice-presidente do governo do general João Figueiredo Aureliano Chaves.

"O que acontece é que o rumo desse processo provocou alguns desconfortos, porque em certo momento se teve a sensação de que a candidatura Maluf poderia ser vitoriosa", conta o parlamentar.

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Segundo Marco Maciel, a candidatura Maluf, que começou em São Paulo "com um programa de governo muito vistoso, com 40 volumes ", obteve a simpatia de auxiliares diretos o então presidente João Figueiredo. A conseqüência foi o racha no Partido Democrático Social (PDS), herdeiro da Arena.

"De uma hora para outra isso fez com que nós do PDS tivéssemos que migrar para uma solução de compromisso com o PMDB para dar um novo rumo ao processo sucessório", recorda Marco Maciel. Ele, Aureliano Chaves e José Sarney foram os fiadores da Frente Liberal. Da Bahia, a dissidência do PDS ganhou o apoio do então governador Antônio Carlos Magalhães, apesar de seu compromisso com a candidatura Andreazza.

Marco Maciel conta que, com a morte de Petrônio Portella ainda participou de duas reuniões no Palácio do Planalto com o ex-presidente Figueiredo e os pré-candidatos para tentar contornar a crise no partido governista e evitar a dissidência.

Dessa reunião participaram também os principais auxiliares de João Figueiredo: Golbery do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Militar, Danilo Venturini, e o ministro Leitão de Abreu.

"Não conseguimos avançar mesmo porque Figueiredo não tinha muito talento para a política e não conseguia, não era fácil, armar uma chapa", recorda o senador.

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Em uma reunião em sua residência, da qual participaram o ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, o deputado Ulysses Guimarães, o economista Celso Furtado, e os senadores Pedro Simon, José Sarney e Affonso Camargo, foi decidido que seria criado um documento que seria "uma espécie de programa da Nova República", disse Maciel.

Nesse documento, intitulado Compromisso com a Nação, estava definida a realização da Assembléia Nacional Constituinte.

A partir do rompimento oficial com a candidatura Maluf, viabilizou-se, definitivamente, a aproximação da Frente Liberal com o PMDB e a decisão de ir para embate contra Paulo Maluf no colégio eleitoral. Marco Maciel lembra que o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, era permanentemente questionado sobre a decisão de participar de um processo sucessório no colégio eleitoral ao invés de insistir nas eleições diretas.

"Eu vou ao colégio eleitoral para destruí-lo, vou lá e destruo porque vou ser substituído por eleições diretas", repetia Tancredo, segundo Maciel.

Em 1989, nas primeiras eleições diretas do Brasil depois do golpe de 1964, foi eleito o então governador de Alagoas Fernando Collor de Mello.

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Na conversa com a Agência Brasil, Marco Maciel recorda que volta e meia Tancredo afirmava, no melhor estilo da política mineira, que só disputaria a presidência se tivesse certeza de que teria a maioria dos votos.

"Para renunciar ao governo de Minas só vou se tiver garantia de maioria, mas não precisa ser a grande maioria nem a totalidade tampouco", dizia o governador mineiro a seus interlocutores e articuladores de sua candidatura, de acordo com o senador.

Durante a elaboração do programa de governo da Aliança Democrática, diante de uma enxurrada de propostas e compromissos a serem assumidos, Tancredo Neves adotou um jeito também mineiro de lidar com o problema, sem melindrar egos.

"Eu lembro uma vez que o Tancredo disse uma coisa que eu achei muito boa: 'Marco como eu fico muito fora, estou no governo de Minas, quando houver alguma solicitação ou proposta que surja você diz que vai conversar comigo. Agora, quando alguém procurar você para tirar alguma coisa, você diz que vai conversar comigo mas já pode tirar'. Aquela coisa do mineiro", relata Marco Maciel.

Tancredo foi eleito pelo Colégio Eleitoral. Foi internado no dia 14 de março de 1985 vítima de uma diverticulite na véspera de sua posse e morreu em 21 de abril.

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Para cumprir o programa da Aliança Democrática assumiu o vice na chapa José Sarney, que já havia migrado do PDS para os quadros do PMDB. Cumprindo o que foi previamente acordado no programa Compromisso com a Nação, Sarney convocou para 1º de janeiro de 2007 a Assembléia Nacional Constituinte.