“Agosto é o mês do cachorro louco” é uma frase tão surrada quanto verídica. A partir desta segunda-feira (1.º), o Brasil entra no mês decisivo da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) no Senado, da cassação do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) pelo plenário da Câmara, do acirramento das disputas eleitorais municipais e como pano de fundo viverá as Olimpíadas do Rio de Janeiro, primeiros Jogos na América do Sul.
Agosto na história: relembre fatos que ocorreram no mês
Para especialistas, a atipicidade da situação não encontra comparativo recente no país. “É uma situação histórica bastante incomum, mas ela traz um lado extremamente positivo. Um dos principais legados da crise de representatividade é a comprovação de que esse sistema político é inadequado. Não podemos mais enfrentar com naturalidade uma crise de valores. A Constituição de 1988 aliou um presidencialismo ruim com um parlamentarismo nascente. Foi um passo importante para a época, mas ela precisa ser revista”, afirma Alceni Guerra, ex-ministro do governo Collor e deputado federal pelo Paraná na Assembleia Constituinte. “Vivemos uma era de denúncias jamais vistas. É a oportunidade ideal para trocar o modelo político. Os desfechos de agosto podem dar novo fôlego para essas reformas”.
Paulo César Nascimento, professor e cientista político da Universidade de Brasília (UnB), diz acreditar que agosto pode encerrar um ciclo. “É um mês muito carregado de conotação política. Acho que vai ser o fim de um ciclo e começo de outro. A cassação de Eduardo Cunha (PMDB) deve acontecer com mais naturalidade. O impeachment também, talvez nem mesmo o PT acredita na reversão. Espero que esses eventos findem a instabilidade. Ainda estamos muito presos na perspectiva dessas votações.”.
Dilma
Na quinta-feira (28), a defesa de Dilma entregou as alegações finais do processo de impeachment na comissão do Senado. O parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB) será lido na comissão na terça-feira (2). Na quinta (4), o texto deve ser votado na comissão, e já na próxima semana terá início a discussão e votação em plenário, em sessões presididas pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.
No dia 9, o Senado deve votar a pronúncia. Nessa fase, os senadores decidirão se há indícios ou provas de que Dilma cometeu crime de responsabilidade em razão das manobras fiscais (pedaladas e decretos suplementares). Essa análise será feita a partir do parecer da comissão especial. O andamento do processo requer maioria simples (41 dos 81 senadores).
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), estima que o julgamento final ocorra entre os dias 26 e 28 de agosto. Para Dilma ser afastada de maneira definitiva, é necessário o voto de pelo menos 54 dos 81 senadores, o que resultaria na confirmação do presidente interino Michel Temer (PMDB) no comando do país.
Caso Cunha
Já a votação de Eduardo Cunha (PMDB) na Câmara deve acontecer mais cedo, na segunda semana de agosto. Cabe ao novo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), definir a data. Ele já sinalizou que isso deve acontecer entre os dias 8 a 12. O processo pede a cassação do mandato do parlamentar por quebra de decoro, por ter mentido aos pares ao negar a existência de contas na Suíça.
Em julho, por 48 votos a 12 os deputados da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeitaram a apelação de Eduardo Cunha (PMDB).
“A questão Cunha é um assunto liquidado. A votação deve ser simbólica, mas servirá de exemplo para os demais deputados. Nós vivemos uma transição política”, adere Reinhold Stephanes, ex-ministro dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula. No entanto, na sua visão, as Olimpíadas não terão impacto significativo nessas decisões. “São coisas que caminham paralelamente. Vejamos o exemplo da Copa do Mundo, em 2014. A imprensa internacional pode influenciar no debate expondo situações atípicas, mas as avaliações serão distintas. O impacto político do impeachment e da cassação de Cunha já atingiu seu auge. Agora passamos por um novo momento”.
Chapa Dilma-Temer
O processo contra Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também pode ganhar novos contornos em agosto, já que ele está na fase de produção de provas. O TSE julga a cassação da chapa Dilma-Temer nas últimas eleições por abuso econômico. O processo foi movido pelo PSDB. Na semana passada, o TSE encontrou novos indícios de irregularidades nas contas de uma empresa que prestou serviço para a campanha de reeleição de Dilma Rousseff (PT). O presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, enviou as informações para o STF.
Impactos municipais
Ainda para Stephanes, o impacto dessas votações nas eleições municipais de 2016 já está em vigor. “Na minha visão, o PT terá grandes dificuldades nessas eleições. O partido ficou marcado por conta dos escândalos. Em alguma medida, as repercussões da Lava Jato também podem atingir o PMDB e o PP, com diversos deputados federais envolvidos”, afirma. Paulo César Nascimento pondera que “nacionalizar” o debate municipal pode trazer problemas para qualquer candidato. “Não sei se é vantagem para os atores municipais nacionalizar o debate. Ambos, atual situação e oposição, têm pulsos fracos na questão conjuntural. Se o PT fizer uma campanha baseada na tese do golpe, pode ser que não consiga dialogar em algumas cidades. O discurso não terá eco. Ao mesmo tempo o bloco que apoia Temer pode sofrer com a articulação do impeachment. Esse é o momento de discutir as situações municipais”.
Já para João Feres Júnior, professor de ciência política da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), as eleições desse ano podem refletir as mudanças no Brasil. “As Olimpíadas devem ampliar a discussão, principalmente no Rio de Janeiro, afundado em dívidas. O governo Temer tem baixa legitimidade, as pesquisas apontam isso. Qual é a chance de ele dar certo? Muito pequena. O avanço liberal de sua política econômica pode trazer questões importantes para essas eleições. Em períodos de crise econômica, os liberais jogam nas costas do povo as reformas. Por isso, em alguma medida essas decisões podem refletir em algum posicionamento nas urnas”, assegura.
O cientista político da UERJ também afirma que a diminuição do tempo de campanha pode prejudicar a democracia. “Esse é justamente o período que temos para discutir política, o Brasil. Não podemos limitar o tempo e achar que estamos ganhando com isso”, justifica. O perfil do eleitorado também sofrerá os impactos das decisões de agosto, segundo Nascimento. “A sociedade está decepcionada. A onda de corrupção é muito grande, com novos fatos tomando conta da mídia diariamente. A descrença é uma coisa com que os políticos terão que lidar. Podemos notar que os desvios eram endêmicos e de vários partidos. Isso pode transformar o eleitorado”.
Olimpíadas
“As Olimpíadas como cenário nos dão a chance de ampliarmos a discussão, porque os Jogos trarão ao país destaque na imprensa internacional. É a chance de discutirmos iniciativas públicas, ainda que as incertezas da política brasileira não garantam uma previsão fiel sobre os desdobramentos do impeachment e da cassação”, explica João Feres Júnior, da UERJ.
Agosto registrou mortes de presidentes e conflitos mundiais
- Eriksson Denk, especial para a Gazeta do Povo
O mês de agosto de 1976 é marcado pela morte de Juscelino Kubitscheck, o presidente que construiu Brasília, em um acidente de carro na rodovia Presidente Dutra, em Resende, no Rio de Janeiro, no dia 22 daquele mês. No entanto, a morte mais emblemática da história do mês aconteceu em 24 de agosto de 1954, quando Getúlio Vargas cometeu suicídio. No dia 5 daquele mês, o jornalista Carlos Lacerda, principal opositor do então presidente, sofreu um atentado, no qual saiu ferido. Rubens Vaz, major da Força Aérea Brasileira, foi assassinado na mesma emboscada. O episódio ficou conhecido como “crime da rua Tonelero”.
Diante disso, o presidente começou a ser pressionado por políticos, pelos militares e pelos setores empresariais do país. O vice-presidente, Café Filho, uniu-se aos opositores para fazer com que Vargas renunciasse o cargo com brevidade. Depois do suicídio, ele assumiu a presidência da República e nomeou uma nova equipe de ministros e deu uma guinada na orientação do governo.
O mês sem feriado, ou “mês do cachorro louco”, tem essa fama por englobar também grandes acontecimentos da história global. A Primeira Guerra Mundial iniciou em agosto de 1914 e, na Segunda Grande Guerra, Adolf Hitler se tornou führer em 2 de agosto de 1934 e as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, foram bombardeadas pelo exército americano nos dias 6 e 9 de agosto de 1945. A construção do Muro de Berlim começou em 13 de agosto de 1961 e em 12 de agosto de 1968 católicos e protestantes entraram em um sangrento conflito na Irlanda do Norte.
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