Em 25 dos 27 estados brasileiros, os poderes Legislativo e Judiciário vêm ignorando as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e aumentando seus gastos acima do crescimento da receita. Com isso, acabam retirando recursos de outras áreas, como as sociais, e dificultam o ajuste das contas públicas estaduais.
Um levantamento do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne secretários estaduais de Fazenda, concluiu que nesses 25 estados esses órgãos contam com uma prática mais benéfica para liberação de seus recursos do que a que vale para o Executivo.
Para o Judiciário, o Legislativo e o Ministério Público, os recursos de um ano são liberados em duodécimos (1 doze avos) mensais, calculados com base no valor previsto no Orçamento. Para os demais órgãos, esse cálculo é feito em cima do valor efetivamente arrecadado.
Em tempos de recessão e frustração de receita, essa diferença de regras provoca distorções importantes. Pela Constituição Federal, o repasse do duodécimo é obrigatório para os órgãos do Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública até o dia 20 de cada mês.
Esse quadro tem levado a uma realidade fiscal em que os gastos com esse poderes independentes cresce mais do que as despesas totais, principalmente nos estados mais pobres. No caso mais aberrante, no Piauí, a despesa total entre 2002 e 2015 cresceu 4,4%, enquanto a dos poderes independentes cresceu 5,9%. Já o gastos sociais aumentaram bem menos: 2,6%.
Uma análise caso a caso mostra que os gastos com Legislativo e Judiciário – poderes que também foram beneficiados na discussão da lei de socorro aos estados – cresceram mais do que os realizados com programas sociais básicos em 21 dos 27 estados brasileiros. Uma tendência claramente colocada pelos números é que, nos estados mais pobres, as despesas com Judiciários e Legislativos crescem mais do que com educação, saúde e segurança pública. Isso não ocorreu, porém, nos estados mais ricos, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Para o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e um dos idealizadores da Lei de Responsabilidade Fiscal, essa prática fere preceito básico da LRF que prevê a liberação de despesa apenas se houver entrada de receita correspondente.
Essa regra, afirma ele, é corretamente seguida no caso da União, que considera efetivamente o arrecadado e também a meta fiscal. “Se a arrecadação efetiva ficou abaixo da orçada, se a meta fiscal exige superávit primário, por exemplo, isso tudo é ignorado por esses órgãos”, critica.
“Parece que o que falta é coerência para que quem fiscaliza o cumprimento da lei denuncie a irregularidade e julgue os eventuais crimes”, diz. Para ele, sem coerência política e competência técnica na revisão das regras, pode ser difícil retomar a credibilidade da política fiscal.