Depoimentos colhidos no âmbito da Operação Quadro Negro, que apura o desvio de quase R$ 20 milhões destinados a obras de escolas estaduais do Paraná, sugerem o envolvimento da alta cúpula da política do estado no esquema de corrupção.
Governo diz que foi quem abriu apuração; citados não falam
Escândalo envolvia pagamento por serviços não prestados
O escândalo de desvio de recursos públicos de obras de escolas estaduais veio à tona em meados do ano passado, quando se descobriu irregularidades em dez contratos firmados entre a Secretaria Estado da Educação (Seed) e a empresa Valor Construtora e Serviços Ambientais, no período de 2011 e 2014.
Fiscais ligados à Seed confirmaram em depoimentos que, para liberar pagamentos à empresa, atestavam falsas medições na evolução das obras de construção ou de reforma dos colégios. Assim, apesar de as obras mal terem saído do papel, a empresa recebia os valores como se efetivamente tivesse prestado os serviços.
As medições fictícias teriam sido feitas, ainda segundo os fiscais, a mando do então diretor de Engenharia, Projetos e Orçamentos da Seed, Maurício Fanini, exonerado após o escândalo vir à tona. Fanini nega a participação na fraude.
O dono da Valor, Eduardo Lopes de Souza, Maurício Fanini e outras 13 pessoas foram denunciadas pelo Gaeco no último dia 30. Entre os denunciados em dezembro também está o ex-vereador de Curitiba Juliano Borghetti, que é irmão da vice-governadora, Cida Borghetti (Pros). De acordo com o Gaeco, ele recebeu quatro parcelas de R$ 15 mil da Valor com a missão de agilizar pagamentos à empresa a partir dos contatos que manteria com servidores da Casa Civil.
Três investigadas citaram ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), como supostamente envolvidos, os nomes do governador Beto Richa (PSDB); do secretário estadual de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, o ‘Pepe’, irmão do governador; do presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), Ademar Traiano (PSDB); do primeiro-secretário da Assembleia, Plauto Miró (DEM); e do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e ex-secretário-chefe da Casa Civil, Durval Amaral. De acordo com os depoimentos, o suposto desvio de verba pública seria destinado a campanhas eleitorais.
Relato da assessora jurídica da construtora Valor, Úrsulla Andrea Ramos, menciona que os recursos desviados teriam sido repassados para a campanha de reeleição do governador Beto Richa, em 2014, e a outros três candidatos a deputado estadual. No depoimento, a advogada afirma que questionou o proprietário da empresa, Eduardo Lopes de Souza, sobre os valores supostamente desviados das obras. “Esse dinheiro não ficou comigo, esse dinheiro foi feito repasse pra campanha do governador Beto Richa e pra essas três campanhas [do filho do conselheiro Durval Amaral, o deputado estadual Tiago Amaral; de Traiano e de Plauto]. Foi o que ele me disse”, afirma Úrsulla.
No depoimento, a assessora da Valor ainda afirma que questionou o dono da empresa se ele teria provas do que estava dizendo. Segundo o relato de Úrsulla, Souza teria dito possuir gravações de todas as conversas em que tratou do assunto. A Gazeta do Povo não conseguiu apurar se o Gaeco teve acesso a essas supostas gravações.
Foro privilegiado
Devido ao foro privilegiado dos citados, os nomes foram levados pelo Gaeco ao procurador-geral de Justiça, Gilberto Giacoia, chefe máximo do Ministério Público do Paraná (MP), que é quem tem competência para pedir a abertura de uma investigação contra deputados estaduais (caso de Traiano e Plauto) e secretários de Estado, como Pepe Richa.
No caso de Beto Richa e de Durval Amaral, quem deve decidir pela abertura ou não de uma investigação é a Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília. A PGR já foi notificada por Giacoia sobre a citação dos dois. Caberá ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, opinar se todos serão investigados pela PGR ou se o caso envolvendo os deputados estaduais e Pepe Richa será desmembrado e devolvido ao MP do Paraná.
Governo diz que foi quem abriu apuração; citados não falam
O governo do Paraná afirmou que todas as irregularidades que envolvem a construtora Valor foram descobertas por sistemas internos de controle do próprio Executivo estadual. Segundo texto enviado pelo governo, a sindicância para apurar o caso foi aberta pela própria Secretaria da Educação em maio de 2015.
“Desde o início, o governo vem tomando todas as medidas necessárias para apurar, punir desvios de conduta e recuperar recursos desviados. Os bens de todos os envolvidos foram bloqueados pela Justiça, a pedido da Procuradoria Geral do Estado. Todos os servidores públicos suspeitos foram demitidos ou exonerados de seus cargos”, afirma a nota. Segundo a assessoria, o secretário de Infraestrutura, Pepe Richa, prefere não comentar a menção de seu nome no caso.
O PSDB do Paraná, responsável pela campanha de Richa, informou que não recebeu qualquer doação da Valor em 2014. O presidente da Assembleia e do PSDB do Paraná, Ademar Traiano, disse não conhecer as investigações. “Não tenho conhecimento nem informação nenhuma desse caso, porque ele está em segredo de Justiça. Só sei pela mídia o que está se passando. Portanto, não posso falar nada”, disse.
O primeiro-secretário da Assembleia, deputado Plauto Miró (DEM), fez o mesmo comentário que Traiano. “Não tenho conhecimento, não sei do que se trata. Ouvi alguma coisa na mídia, mas não estou a par desse procedimento. Vou buscar informações sobe o assunto”, afirmou.
Durval Amaral, ex-chefe da Casa Civil de Richa e conselheiro do Tribunal de Contas, foi procurado pelo celular, mas não retornou. O deputado estadual Tiago Amaral (PSB) estava com o celular desligado.
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