Ex-porta-voz de Lula e autor da tese de que o lulismo foi sustentado eleitoralmente pelos mais pobres, o cientista político da USP André Singer, de 57 anos, afirma que essa “base fundamental despencou” na esteira da crise econômica. Segundo Singer, o PT enfrenta uma contradição essencial ao apoiar um governo que não o consulta e cujas políticas atentam contra os trabalhadores.
O cientista político defendeu que Dilma se sente com Fernando Henrique Cardoso e Lula para costurar um acordo nacional. Em sua casa na capital paulista, Singer afirmou que o PT está no pior momento em 35 anos de existência. A camiseta puída e manchada do partido que a empregada doméstica de Singer vestia na última sexta-feira (25), durante a entrevista, parecia metáfora do cenário difícil descrito pelo pensador para a legenda. Ele acaba de publicar o artigo “Cutucando onças com varas curtas”, na revista Novos Estudos.
Por que o artigo chama “Cutucando onças com varas curtas”?
A ideia do artigo é mostrar a corajosa ofensiva desenvolvimentista de Dilma no primeiro mandato. Ela optou por uma estratégia diferente daquela que o ex-presidente Lula tinha mantido até então e explicitou um confronto com o setor financeiro. A minha tentativa no artigo é de resgatar essa história para mostrar que ao final do percurso, ao chamar o ministro Joaquim Levy para a pasta da Fazenda, ela entregou todos os pontos para aqueles que ela procurou confrontar no primeiro mandato. Nesse sentido, ela foi vencida e acabou tendo que desmentir tudo o que havia dito até então, uma posição humilhante.
Dilma ganhou a eleição prometendo manter direitos trabalhistas e aumentar programas sociais mas agora promove ajuste fiscal. Ela mentiu na campanha?
Não sei se mentiu, mas adotou uma conduta de campanha errada. Eu suponho que Dilma tivesse uma visão geral sobre a situação do país e as condutas que ela teria que tomar no segundo mandato. Embora isso evidentemente fosse cobrar um preço eleitoral, teria sido melhor que ela tivesse explicitado a situação na campanha. Dizer que vai fazer uma coisa e fazer o contrário, que é o que está acontecendo agora, cobra um preço muito alto, porque uma parte dos eleitores não perdoa esse tipo de virada. Isso já aconteceu na gestão do ex- presidente Sarney e na reeleição do ex-presidente Fernando Henrique. Dilma não deveria ter feito isso. Ela e o PT estão pagando um preço.
O PT está escanteado?
O PT não tem sido ouvido pelo governo, não foi ouvido quando foi decidida essa política e continua não sendo ouvido. Considero um erro sério.
Como explicar que Levy, que o PT critica, dite a política econômica?
Acho que a presidente fez um movimento para recuperar a confiança da burguesia brasileira e do capital internacional. Foi um erro, mas talvez seja impossível gerenciar a economia de um país sem pontes com ao menos parte do empresariado. Mas como resultado estamos na maior recessão dos últimos 20 anos, o custo social é imenso.
Como vê o futuro do PT?
O PT não vai acabar, é uma estrutura muito sólida, enraizada na sociedade brasileira e vai continuar a ser um partido importante. No entanto, está no momento mais difícil em 35 anos de história pela combinação de dois fatores. Primeiro por estar sendo obrigado a apoiar um programa de governo contra os trabalhadores. Como próprio nome diz o partido foi fundado para representar os trabalhadores, não para prejudicá-los. Em segundo lugar, a Operação Lava Jato está revelando cifras de desvios assombrosas. Não obstante os reparos que possam ser feitos à Operação, uma vez que determinadas denúncias vem à tona o partido precisa responder a essas denúncias de uma maneira convincente. É preciso oferecer uma narrativa do que aconteceu ao eleitorado. E, se for o caso, afastar ao menos temporariamente aqueles que estão sendo denunciados, até que tudo se esclareça.
Como isso afeta o partido?
O lulismo está ameaçado de perder a sua base eleitoral fundamental, o subproletariado. As pesquisas mostram que a faixa de renda até dois salários mínimos familiares aprovava o governo Dilma em 50% em dezembro de 2014. Essa taxa caiu para 10% em agosto de 2015. Quarenta pontos porcentuais é uma enormidade. Literalmente despencou a base fundamental do lulismo. O ex-presidente Lula tem ainda um capital político importante, mas é possível que isso também seja perdido se essa situação não for interrompida. Já a base tradicional do partido, a classe trabalhadora organizada, continua firme com o partido. Mas pode perder se o partido não requalificar a sua relação com o governo. Sobre eleições, a situação muda dia a dia, mas o que se pode prever hoje são eleições municipais muito difíceis, com eventual diminuição do tamanho do partido.
O senhor acha que Dilma está dilapidando o legado lulista?
Não acho que ela esteja dilapidando, mas a política que foi adotada [por Dilma] está ameaçando o que foi construído no período Lula. Nesses primeiros nove meses de 2015 houve um retrocesso, mas esse retrocesso ainda pode vir a ser muito maior. É urgente interromper esse processo.
O senhor vê elementos para um processo de impeachment?
Não, porque não há crime praticado pela presidente. O impeachment é um elemento constitucional e a discussão é válida. Neste momento é imprevisível saber o que vai acontecer. É claro que há um movimento que busca o impeachment. Eu lamento muito mas sou obrigado a reconhecer que já há setores do PSDB e do PMDB organizados em torno da ideia, essas forças estão adotando postura golpista. É um golpe branco, porque os militares já foram retirados da cena política há tempos.
Como Dilma pode reagir?
Ela apresentou uma série de medidas econômicas que é coerente, embora eu não seja simpático a elas. E está tentando viabilizá-las. Ela deveria tomar uma iniciativa maior, de propor um acordo nacional mais amplo, inclusive com a oposição. O Brasil é um país hiper presidencialista, Dilma deveria sentar para conversar com Fernando Henrique, Lula e Michel Temer para encontrar pontos mínimos de acordo que possam estabelecer um horizonte de médio prazo.
Como vê a atuação de Temer?
Não acredito que ele esteja nesse movimento golpista, mas acho que ele não poderia ter feito as declarações que fez e nem ter se retirado da articulação política.
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