O pragmatismo com que o Itamaraty tem trabalhado suas ações no cenário internacional desde que Antonio Patriota assumiu a chefia da chancelaria brasileira é uma das principais marcas deste início de gestão do governo Dilma Rousseff na área da política externa. A avaliação é de especialistas consultados pela Agência Estado para falar sobre os 100 dias de governo da petista. Segundo eles, Dilma mostra maior apreço às instituições particularidade que advém de uma característica pessoal dela, e deixa de lado orientações de cunho mais ideológico que marcaram a gestão do ministro Celso Amorim no governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O antagonismo entre o pragmático e o ideológico ficou claro no último dia 24, quando a representação do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) mudou o rumo que vinha tomando até então e votou a favor do envio de um relator independente para investigar a situação das garantias individuais no Irã. "Com o novo posicionamento, o Brasil se reaproxima de sua essência democrática, distanciada no governo Lula, que fez com que o País atingisse seu status atual", afirma o cientista político e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Heni Ozi Cukier. "A relação entre países não pode ser guiada por filtros ideológicos dessa natureza e deve ser mais pragmática", acrescentou.
De acordo com ele, a escolha do governo Lula em se aproximar de "países problema", como Cukier define o Irã, a Venezuela e a Bolívia, e adotar uma posição de conflito com os Estados Unidos está diretamente ligada à questão ideológica e mancha a imagem do Brasil no exterior a troco de "ganhos nulos". "O Lula, sim, ganhou uma grande exposição. Mas o Brasil teve uma exposição negativa. E assim é na aproximação com o Chávez (Hugo Chávez, presidente venezuelano)", diz. Na análise do professor do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) Georges Landau, o Brasil pode ter se distanciado do seu objetivo de conseguir uma vaga permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).
"Conseguimos antagonizar com os EUA e provavelmente comprometer por muito tempo qualquer aspiração no Conselho de Segurança. O Brasil foi considerado, após esse episódio, um país não confiável", afirma. Essa política, conforme Landau, teria impedido que o presidente Barack Obama declarasse apoio à demanda brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança durante sua visita ao País no mês passado.
O norte-americano afirmou apenas que tem "apreço à aspiração do País". "A visita do Obama era a ocasião perfeita para que ele manifestasse apoio, como o fez na India (quando ele viajou ao país asiático em novembro de 2010). Porém, disse que só tinha 'apreço' pela reivindicação por conta da iniciativa absolutamente cretina do Brasil em relação ao Irã", diz o especialista.
Reversão
No entanto, o governo da presidente Dilma tem conseguido reverter "os estragos" provocados pela política externa do ex-presidente Lula com os EUA. "A visita do Obama não deixou nada de concreto sob a ótica da política externa, mas elevou a relação com os EUA a um novo patamar, de respeito mútuo, diferente dos anos anteriores, quando o clima era de divergências mútuas", diz. Os especialistas destacam ainda a escolha de Antonio Patriota para o Ministério das Relações Exteriores, um diplomata de carreira, e não político.
"Patriota é um homem vinculado emocionalmente com os EUA (sua esposa é norte-americana) e vai trabalhar por esse relacionamento, o que é muito positivo para o Brasil". Outro desafio que se impõe à política externa do governo Dilma é estreitar relações com a China, hoje principal parceira comercial do País - o comércio entre os dois países movimentou no ano passado US$ 55 bilhões, conforme a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).
A presidente Dilma vai desembarcar na próxima segunda-feira em Pequim junto com uma comitiva de empresários e suas reclamações por conta da manipulação chinesa da cotação do yuan e da discriminação de produtos brasileiros de maior valor agregado, entre outras questões.
Segundo o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Coordenador do Grupo de Estudos Ásia-Pacífico da universidade, Henrique Altemani, o Brasil terá de enfrentar as dificuldades comerciais impostas pelos chineses por conta da elevação do país asiático à condição de potência mundial.
"Falta o Brasil definir como quer se relacionar com a China. Até que ponto estamos preparados para esse relacionamento?", questiona. "Temos que entender essa nova realidade e aprender onde vamos nos posicionar". Altemani afirma que a China hoje é um ator fundamental em todas as questões comerciais, políticas e estratégicas no mundo - o país asiático é, inclusive, uma das cinco nações que detêm um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU - e uma aproximação é "muito bem-vinda" para o Brasil.
"A China é demandada para todos os assuntos do planeta. Essa proximidade daria mais oportunidades de participar dessas discussões", afirma. Nesse sentido, ser cada vez mais protagonista das discussões mundiais é fundamental para as ambições do Brasil e uma boa relação com os chineses pode ajudar o País a atingir essas meta.
Economia
No entanto, há outro problema à vista: em 2004, durante a primeira visita oficial do presidente Hu Jin Tao ao País, o ex-presidente Lula prometeu reconhecer a China como economia de mercado. O professor Georges Landau explica que o maior número de ações antidumping impetradas pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) tem a China como alvo. "Se isso ocorresse, acabariam as ações antidumping e os produtos chineses invadiriam como nunca o Brasil a preço de banana", explica.
Segundo ele, a presidente brasileira será cobrada da promessa e terá de contornar a saia justa criada pelo governo anterior. "A Dilma é quem vai pagar o pato", diz. Questionado se o Brasil não poderia barganhar o apoio dos chineses em sua ambição no Conselho de Segurança em troca do reconhecimento na OMC, Landau coloca dúvidas a respeito da disposição dos países com assento permanente no grupo - EUA, Inglaterra, França e Rússia, além da China - em alterar a Carta das Nações Unidas, elaborada em 1945. "A Carta nunca foi tocada e é uma caixa de Pandora. É uma questão que nenhuma nação ocidental quer mexer, principalmente os membros permanentes, que só têm a perder com isso", afirma.
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