Dilma tem discurso técnico; Beto pede confiança

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Diz-me o que discursas que direi que governante és. Quando Dilma Rousseff (PT) falou na posse, em 1.º de janeiro, já evidenciou o que iria se comprovar na primeira semana de trabalho: é um governo de continuidade, mas muito mais técnico. Ela também ressaltou a questão de gênero – é a primeira mulher presidente do Brasil. Beto Richa (PSDB), ao assumir o governo do Paraná, quis enfatizar a mudança na gestão e afastar qualquer desconfiança, garantindo que não vai decepcionar os cidadãos.

Essas conclusões podem ser extraídas da análise do texto dos discursos de posse dos dois novos chefes do Executivo estadual e nacional. Cada um deles fez dois pronunciamentos diferentes – um oficial, para os integrantes do Poder Legislativo e demais autoridades, e outro mais pessoal, dirigido ao público geral. Dilma falou no parlatório do Palácio do Planalto e Beto em uma tenda montada em frente ao Palácio Iguaçu.

Para analisar os discursos de Dilma e Richa, a Gazeta do Povo utilizou um programa de informática que cria "nuvens de palavras", uma ferramenta que destaca os termos e expressões mais usadas em textos e discursos. A exemplo do que já tinha feito com os planos de governo dos principais pretendentes ao Palácio Iguaçu durante a campanha eleitoral, a reportagem consultou especialistas em linguagem do discurso e em Ciência Política para comentar as entrelinhas dos pronunciamentos.

Paraná

O termo "Paraná" foi o mais usado por Beto Richa no primeiro discurso como governador, que durou pouco mais de meia hora e foi feito dentro da Assembleia Legislativa. Foram 36 vezes. Em segundo lugar, aparece "todos" (28) – na maioria das ocasiões, para dar uma ideia de união e, principalmente, de que seu governo não retaliaria antigos adversários.

Entre as expressões compostas preferidas, o governador repete diversas vezes o adjetivo "público" (como em serviço público). Segundo o professor de Ciência Política Luiz Domingos Costa, da Uninter, isso marca uma posição de Richa forjada em anos de militância no PSDB. "Governantes tucanos usam com insistência um discurso de tratamento austero da coisa pública. Não se imagina um petista dizendo que vai enxugar a máquina pública. Essa parte do discurso é uma posição partidária", disse Costa.

O discurso na tenda em frente ao Palácio Iguaçu, destinado ao povo, além das autoridades, foi muito mais informal, emotivo e mais longo. Na ocasião, Richa repetiu muitas vezes que não vai decepcionar os cidadãos paranaenses. Ele também fez vários agradecimentos à família e à equipe que o ajudou na campanha.

Modelo

Outra ação recorrente foi exaltar a figura do pai, o ex-governador José Richa, como seu modelo político e pessoal. "O fato de o Beto Richa repetir que não vai decepcionar o eleitorado pode representar um reconhecimento involuntário de alguma desconfiança sobre a capacidade do governador", afirma Costa. Para o professor, a maior causa de insegurança seria a pouca idade do tucano, quando comparada com a média nacional de políticos com o mesmo cargo. "Ele tenta reafirmar que representa uma mudança e que a pouca idade é superada por uma boa experiência no setor público", disse.

A comparação com o pai, que pode ter sido uma grande vantagem na eleição, agora se torna um desafio para Richa. Essa é a avaliação do professor de Ciência Política da UFPR Ricardo Costa de Oliveira. "A gestão de José Richa ainda está bem viva na memória de uma forma positiva, como símbolo da redemocratização, e obriga o governador a tentar superá-la", afirma. No discurso no Palácio Iguaçu, falou a expressão "não vou decepcioná-los" cinco vezes.

Oliveira também ressalta que o uso reiterado do verbo "ver", é um recurso léxico de Beto para reafirmar sua posição de independência, de quem conhece as coisas por conta própria. Ele disse "vi" 20 vezes. "Richa não quis se ligar em demasia às antigas administrações de seu partido. Além disso, ele sofreu oposição ferrenha do antigo grupo dominante de forma que a maneira de escapar desta solidão é através da figura do visionário, que percebe coisas que os outros políticos não perceberam", analisa Oliveira.

Planalto

O discurso da presidente Dilma realça a união nacional em torno da continuidade do governo Lula, porém com uma clara mudança de tom. "Lula sempre falou como um igual com o homem do povo, um discurso com o qual Dilma parece não se identificar. O discurso dela tem retórica muito mais adequada a sua biografia política de técnica da burocracia, ainda que mais à esquerda", avalia Lucília Romão, doutora em Ciência em Comunicação da Universidade de São Paulo (USP).

Em seu discurso de posse no Congresso, a presidente Dilma priorizou a palavra "brasileiros" – 52 citações, além de usar cinco vezes a expressão "povo brasileiro". O nome do antecessor imediato, Lula, foi citado oito vezes em um pronunciamento que durou cerca de 40 minutos.

Já ao falar no parlatório do Planalto, a céu aberto, ela intensificou o uso dessas palavras. Foram menos ocorrências de "país", "Brasil" e "todos", mas num espaço mais curto de tempo: cerca de treze minutos. As expressões "presidente Lula" ou somente "Lula" foram usadas 13 vezes.

"Esta será a grande dificuldade de Dilma, superar a capacidade de comunicação do ex-presidente. Por isso ela ressalta que faz parte de um projeto e não fará uma administração tão personalista – o que fica claro quando ela usa palavras como ‘união, povo e todos’", avalia o professor Oliveira.

Queridos

Para Lucília Romão, a mudança de linguagem na transição petista no Planalto fica clara com a abolição da palavra preferida do antecessor, "companheiros", substituído por "queridos". "É a opinião discursiva de uma mulher que se quer mais preparada e que não fala mais para iguais da porta da fábrica", analisa.

A nuvem de palavras que se extrai da fala de Dilma, segundo a professora, evidencia o item mais forte e inédito representado por sua ascensão ao poder Executivo. "A condição feminina transparece a cada momento, seja na maneira como Dilma se refere aos interlocutores [como o termo "queridos" ou "queridas"], seja na forma como ela se posiciona como a comandante de uma equipe", avalia.