| Foto: Wenderson Araújo/Gazeta do Povo

Não houve nem tempo para a lua de mel. Nos dias seguintes à reeleição de Dilma Rousseff (PT) para a Presidência da República, o governo sofreu uma de suas maiores derrotas no Congresso – um sinal de que a governabilidade deve ser difícil nos próximos quatro anos. Além disso, reações extremadas da oposição neste período pós-eleitoral apontam para um país divido socialmente e regionalmente.

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A reportagem da Gazeta do Povo entrevistou o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), para saber o que a presidente pode fazer para contornar essa situação. Para Fleischer, Dilma terá de mudar radicalmente. Sua já conhecida indisposição com deputados, senadores e outros atores políticos terá de ser revista se ela quiser ter governabilidade a partir de 2015. "Isso é um grande desafio para Dilma, pois não é seu modus operandi sentar e negociar. Ela tem horror disso, de trabalhar com políticos", afirma. Fleischer diz ainda que a tendência após as eleições é que o PMDB isole o PT dentro do Congresso, tornando essa mudança de postura ainda mais urgente.

Geralmente um presidente eleito passa por um período de "lua de mel" após as eleições, até que as forças políticas se reacomodem. Nesta primeira semana pós-eleições, o clima foi exatamente o oposto. Por quê?

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A lua de mel está cheia de vinganças sendo cobradas. O líder é o Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), presidente da Câmara, que foi derrotado na sua campanha para governador [o PT apoiou seu adversário, Robinson Faria, do PSD]. Ele determina a agenda da Câmara e logo jogou em votação o projeto que suspende o decreto presidencial dos conselhos populares. E vai haver mais. Minha avaliação é que, se a presidente Dilma quer boas relações com o Congresso, vai ter de mudar radicalmente seu modus operandi. O que ela terá que mudar?

Ela vai ter que abrir a agenda para conversar com os políticos, negociar, coisa que odeia fazer. Vai ter de engolir a seco e negociar. Ou vai ter de delegar alguém para fazer isso para valer. O ministro de Relações Institucionais é apelidado em Brasília de "garçom", porque só anota os pedidos, mas não tem autoridade ou liberdade para negociar. Não só o Ministério das Relações Institucionais...

A mesma coisa ocorre no Ministério da Fazenda. O novo ministro vai ter de exigir da presidente autonomia para sua área, para não haver mais interferência e intervenção da Presidência. Foi assim que o [Guido] Mantega "virou manteiga" [risos]. A Dilma não abria a mão de determinar tudo na área econômica. E deu no desastre que deu. O mandato de Henrique Eduardo Alves na Câmara acaba no fim do ano. Quem já se movimenta para assumir a presidência da Câmara é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que já está em atrito com o PT desde o início do ano. As dificuldades vão continuar no ano que vem?

Com certeza. O que o PMDB está fazendo é articular um "blocão" com todos os partidos que supostamente apoiam o governo, deixando o PT de fora, isolando-o "no canto da sala". E o "blocão" vai mandar e desmandar. Vai lembrar muito o "Centrão", durante a Constituinte [bloco suprapartidário que controlou os trabalhos da Assembleia Constituinte de 1987 a 1988]. O governo vai ficar refém desse "blocão" e do Eduardo Cunha. E no Senado?

No Senado, aparentemente, Renan Calheiros vai ser reeleito presidente. Ele não tem o mesmo sabor de vingança que Alves tem, já que seu filho foi eleito governador de Alagoas com o apoio do PT. Mas o Senado é complicado, embora Dilma tenha maioria. Se seis ou sete senadores do PMDB votam contra, ela não aprova uma emenda constitucional – mesma situação de Lula em seu segundo mandato. Se ela não acertar os ponteiros com o PMDB, pode levar muitas derrotas. E o que seria esse acerto de ponteiros?

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Dilma vai tentar concertar tudo isso distribuindo ministérios e carguinhos de segundo e terceiro escalão. É urgente que, quando ela volte de seu descanso [a presidente tirou alguns dias de folga e viajou para a Bahia], comece a distribuição dos cargos. Mas o PMDB não quer mais do mesmo. Quer mais e ponto. Mais ministérios, mais atenção, mais espaço para atuar e ajudar a elaborar políticas públicas e participar da tomada de decisões. Isso é um grande desafio para Dilma, pois não é seu modus operandi sentar e negociar. Ela tem horror disso, de trabalhar com políticos – ao contrário do Lula. O que ele mais gostava de fazer era negociar. A solução aponta para o loteamento do novo governo entre aliados. Por outro lado, o fisiologismo é bastante criticado pela sociedade. Ao abrir espaço para partidos aliados, não há o risco de o governo perder popularidade?

O governo vai perder seu apelo popular porque a conta de luz vai aumentar 30% em novembro, a gasolina vai aumentar entre 5% e 10%, os juros estão mais caros e o crédito vai ficar mais difícil e mais caro. A situação fiscal do governo vai de mal a pior. A Câmara com certeza vai aumentar o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e, no orçamento de 2015, o governo terá que executar todas as emendas dos parlamentares. Então, o ano que vem vai ser extremamente difícil. E isso é que pode tornar o governo Dilma impopular.