As primeiras entrevistas da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), chamaram a atenção por sugerir mudanças de rumo na política externa brasileira no próximo governo.
Dilma classificou como "bárbara" a possibilidade de execução por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por adultério naquele país. Também disse discordar da abstenção do governo brasileiro em votação na ONU sobre violações de direitos humanos no Irã.
"Não sou presidente do Brasil, mas me sentiria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu assumir. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição", afirmou Dilma ao jornal "The Washington Post".
Embora a declaração tenha marcado uma divergência pública com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em sua gestão aproximou-se do mandatário iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, as grandes linhas da política externa brasileira devem manter-se sob Dilma, avaliam analistas.
Os sinais estão dados por decisões recentes da presidente eleita, como a indicação, para o Ministério das Relações Exteriores, de Antônio Patriota, secretário-geral do Itamaraty e segundo na hierarquia da pasta.
Auxiliar próximo e amigo do ministro Celso Amorim, Patriota é "afinadíssimo" com o atual titular da pasta, avaliou Igor Fuser, professor de Política e Relações Internacionais da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em debate recente sobre o tema.
Patriota deve manter, por exemplo, a política de expansão das representações diplomáticas no mundo. Foram 64 novas unidades abertas desde o início do governo Lula, em 2003, quase a metade do que havia até então: 150 postos.
Em discurso de posse na Secretaria-Geral do Itamaraty, em outubro de 2009, o futuro ministro também endossou o trabalho de ampliação do quadro diplomático. Falou em "deixar claro desde já" seu "empenho em continuar a trabalhar por uma ampliação do quadro de diplomatas que nos aparelhe para os desafios do século 21". Sob Lula, uma lei de 2006 permitiu a abertura de 400 vagas de diplomata.Perfil mais discreto de Dilma deve minimizar "diplomacia presidencial"
A política externa brasileira no governo Lula foi marcada pela busca de maior protagonismo político em foros internacionais.
Exemplos dessa estratégia foram a criação do G20, coalizão liderada pelo Brasil para defender interesses de países emergentes em negociações comerciais, e as tentativas de mediação no conflito entre Israel e Palestina e na crise nuclear do Irã.
Como Dilma não conta com o prestígio internacional de Lula, pode haver um recuo em iniciativas mais ousadas de política externa, avalia o professor e diplomata Paulo Roberto Almeida.
"O presidente tem crédito internacional e um bônus de confiança que permite lançar lances ousados. É difícil isso ser reproduzido por outra pessoa, já que para ser aceito como mediar é preciso ter empatia com os envolvidos, e isso se constrói ao longo do tempo", diz Almeida.
Agenda internacional de Dilma será agitada em 2011
A performance de Dilma em foros internacionais será posta à prova já nos primeiros meses de seu governo. A agenda diplomática de 2011 prevê a realização no Peru, em fevereiro, da 3ª reunião de dirigentes da Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), mecanismo de cooperação inter-regional e fórum de coordenação política.
Há ainda a previsão de reunião de cúpula do Bric, grupo dos principais países emergentes do mundo (Brasil, Rússia, Índia e China). O encontro está marcado para abril, na China, e deve preceder a primeira visita oficial da presidente eleita ao país asiático.
Um dos encontros mais importantes do ano será a reunião de cúpula do G20, prevista para novembro em Cannes, na França. O G20 reúne os países mais ricos do mundo e 11 nações emergentes. Na pauta da reunião estarão temas que ficaram sem solução no último encontro, na Coreia do Sul, como as tensões cambiais que ameaçam a recuperação econômica mundial.
O segundo semestre de 2011 prevê ainda reuniões periódicas da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Mercosul. O prestígio externo do Brasil também será testado na eleição, em junho, para a diretoria-geral da FAO, braço da ONU para alimentação e agricultura. Em 2010, o Brasil lançou a candidatura de José Graziano da Silva, ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate a Fome do governo Lula e atual representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe.Desafios econômicos marcam front externo
Uma particularidade da política externa brasileira no governo Dilma será um cenário econômico internacional menos favorável, avalia Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
Para a especialista em política de comércio exterior, a perspectiva de demora no reaquecimento da economia mundial e de manutenção do real valorizado dificultarão a obtenção dos saldos expressivos na balança comercial que marcaram a era Lula.
"Para lidar com esse cenário externo e com a concorrência chinesa no mercado doméstico a única solução é adotar uma política de aumento de competitividade", afirma Rios, em referência a ações para reduzir o chamado "custo Brasil": impostos altos, entraves burocráticos, infraestrutura insuficiente.
A diretora do Cindes avalia que no plano político o Brasil deverá manter a postura de maior presença e ativismo, pois corresponde ao papel que o país passou a ter no mundo. Prevê, contudo, que as mudanças no contexto externo levarão a uma estratégia econômica internacional mais "pragmática".
"O governo vai ter que olhar para o cenário externo menos como busca de ocupação de espaço, que foi a tônica do governo Lula, e mais para reavaliar onde vale a pena investir, se concentrando no que é mais relevante para o país", afirma Rios, citando a tentativa "frustrada" do governo Lula de solucionar a crise nuclear entre o Irã e potências ocidentais.
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