Uma reedição de um carnaval tradicional, sobre a história da festa; uma homenagem, batida porém emocionante, a dois figurões da música brasileira, e o retrato de uma tradicional cidade mineira. Um desses três deverá ser o enredo campeão do grupo de acesso A em 2006, levando a escola em questão ao Grupo Especial no próximo ano. Todos foram apresentados neste sábado, no Sambódromo, no desfile que foi das 20h até as 6h de domingo.
Voltando à segunda divisão após uma passagem pelo Grupo B, a Estácio de Sá reeditou seu enredo "Quem é você?", de 1984, sobre antigos carnavais; a São Clemente homenageou a dupla Luiz Gonzaga e Luiz Gonzaga Jr. com o enredo "De Gonzagão a Gonxaguinha: em vida de viajante"; pouco depois, a luxuosa União da Ilha do Governador mostrou que veio para brigar ao homenagear a cidade de São João Del-Rey e sua História. Foi a única a ganhar um brado alto de "É campeão", vindo das arquibancadas e frisas.
A noite começou com a Alegria da Zona Sul, que fez o pior desfile do grupo, com o tema "A alegria é show de bola", que falava de esferas em geral, de bolas de futebol ao planeta Terra. Sem o patrocínio do bicheiro Maninho, seu antigo padrinho, morto em 2005, a escola ainda sofreu com as quebras de diversas alegorias, um princípio de incêndio e a ausência da modelo Fabiana Andrade, que desfilaria e simplesmente não apareceu. É uma presença praticamente certa no Grupo B em 2007.
Em seguida veio a Estácio de Sá, querendo mostrar que a passagem pelo desfile de terça-feira em 2005 foi um acidente de percurso. A vermelho-e-branco reeditou o belo "Quem é você", em que fala das máscaras e dos carnavais antigos, e teve ótima aceitação do público, enquanto o patrono Carlinhos Maracanã via tudo de uma frisa e era cumprimentado por grande parte da escola e também pela cúpula do jogo do bicho presente ao Sambódromo. O enredo, originalmente de Sylvio Cunha, foi desenvolvido pelo carnavalesco Paulo Barros, da Unidos da Tijuca, o atual queridinho de público e crítica. Mas Barros optou por um carnaval mais sóbrio do que os que tem feito no Borel, com poucos toques de ousadia como as alegorias humanas. De qualquer forma, o desfile teve ótima recepção e confirmou o status dele como uma das cabeças pensantes do carnaval. A escola deve conseguir uma boa colocação, mas alguns problemas com alegorias podem deixá-la longe de atingir sua meta primária. Um dos autores do samba, o puxador Dominguinhos do Estácio, cria do Morro de São Carlos atualmente na Viradouro, desfilou ao lado dos cantores da vermelho-e-branco.
A Acadêmicos do Cubango, que veio em seguida, falou de literatura no enredo, mas não fez grande sucesso. O desfile correto, no entanto - que começava com uma comissão de frente fantasiada de alienígena, representando a literatura de ficção científica -- deve ser suficiente para manter a agremiação niteroiense no grupo A. Uma candidata histórica ao Grupo Especial veio em seguida, a Acadêmicos de Santa Cruz, com um enredo sobre a França, "Liberdade, igualdade, fraternidade - um sonho chamado França". Nada de muito errado, mas não deve ser desta vez que ela retornará ao grupo especial. O tema, que é batido (já foi desenvolvido por escolas como Paraíso do Tuiuti e Acadêmicos do Engenho da Rainha), não teve todas as suas possibilidades exploradas.
Tida como bicho-papão do grupo, a Renascer de Jacarepaguá encenou "A divina comédia brasileira", um enredo político que ironizava a política do Brasil em cores fortes e, eventualmente, chocantes. O poder financeiro da escola ficou claro, mas o desfile não obteve grande resposta.
A São Clemente veio em seguida e levantou as arquibancadas com "De Gonzagão a Gonzaguinha: em vida de viajante". Animada, pulando, a escola e sua bateria mostraram de forma emocionante a vida do sanfoneiro Luiz Gonzaga e de seu filho Gonzaguinha, em um dos melhores sambas da noite. Ligada à Beija-Flor, a São Clemente desfilou reforçada pela porta-bandeira Selminha Sorriso, que apresentou o casal da coirmã, e pela coreógrafa Gislaine, que acompanhou a Comissão de Frente (de responsabilidade de Ângela Sales. O Arranco, que também voltava ao grupo, animou o público com o ótimo samba "Gueledés, o retrato da alma", mas a parte visual do desfile não ajudava em sua compreensão. O público ficou sem saber se os Gueledés eram uma entidade, uma lenda ou apenas alguma espécie de ser onipresente, que passeava pela Índia, pelo Extremo Oriente e pelo Brasil. Mas a escola do Engenho de Dentro deve conseguir permanecer na Segundona do Samba.
Um dos desfiles mais esperados da madrugada veio em seguida: a poderosa União da Ilha homenageava São João Del-Rey. O público cantou o samba - que tem nada menos do que 10 autores - quase tanto quanto aderiu aos hinos de Estácio e São Clemente, e a escola respondia com belas fantasias e carros alegóricos, de boa concepção embora não muito originais. O retrato habitual de Minas Gerais, com ouro, igrejas, etc. Ao final, o grito de "É campeã!" era claro, mas a escola pode perder pontos devido a um acidente com seu carro abre-alas, que era formado por duas alegorias acopladas, mas que se separaram, fazendo a Ilha exceder o número de carros alegóricos permitidos no grupo.
Em seguida, veio a segunda candidata mais forte ao descenso. Embora não tenha passado pelos desastres da Alegria da Zona Sul, a tradicional Vizinha Faladeira, do bairro do Santo Cristo, não esteve no nível das demais ao homenagear Copacabana, com o enredo "Adorável loucura na cidade do encantamento". O desfile foi encerrado pela Tradição, já no raiar do dia. A escola do bairro de Campinho aderiu à prática das reedições com o clássico "Bahia de todos os deuses", de 1969, do Salgueiro. A apelação - agravada pelo aquecimento da bateria ao som de "Sorte grande", de Ivete Sangalo - deu certo e o Sambódromo inteiro cantou o belo samba de Bala e Manuel Rosa. Embora estivesse bem vestida (o tradicional condor do abre-alas era o mais luxuoso em muitos anos, inclusive aqueles passados no Grupo Especial), a Tradição não teve grandes idéias a não ser aquelas comumente associadas à Bahia. Mais curta do que as concorrentes, ela não deve ser candidata ao título. Pelo menos o samba serviu como chave de ouro para o encerramento de um desfile de ótimo nível do Grupo A. O Grupo Especial começa na noite deste domingo, às 21h, com o desfile do Salgueiro.