A crise que se alastra pelo Ministério do Transportes, com a demissão, na quarta-feira passada, do ministro Alfredo Nascimento, após denúncias de existência de um esquema de propina que seria paga ao partido do ministro (PR) para direcionamento de licitações, é só mais um capítulo de um problema endêmico do estado brasileiro: o fisiologismo. A difícil relação entre governo e parlamento no presidencialismo de coalizão favoreceu o surgimento de escândalos emblemáticos de corrupção, como o mensalão e a queda do ex-presidente Fernando Collor.
No caso atual, o loteamento dos cargos do ministério entre lideranças do Partido da República (PR), legenda integrante da base aliada do governo, favoreceu o uso da estrutura do estado para um esquema de cobrança de propinas e desvio de dinheiro.
Para o cientista político da PUC-PR Mário Sérgio Lepre, esse é um dos maiores problemas que o Brasil enfrenta hoje. "A governabilidade do país é baseada na troca. A base aliada troca seu apoio ao governo por cargos na estrutura do estado", explica. Essa cessão de nacos de poder por parte do partido no comando do governo ocorre por dois motivos: primeiro, as coalizões são importantes durante as eleições, quando os minutos de televisão ou o apoio de certos caciques partidários podem significar a vitória ou a derrota de uma candidatura. Com o governo já eleito, elas se tornam importantes para garantir votos para os projetos de interesse do governo no Congresso.
O sociólogo Caetano Ernesto Pereira de Araújo relembra que essas nomeações não se limitam a ministros e secretários de Estado. "Para ter maioria na Câmara, o governo distribui inclusive cargos do segundo e do terceiro escalão", comenta. Isso abre uma janela para a corrupção, já que um grupo de pessoas toma conta de cargos em todas as esferas de um ministério e age sem um controle adequado por parte da sociedade e, também, sem conhecimento técnico da área.
Para Araújo, a reforma do sistema político é uma forma de amenizar esse problema, já que parte da questão está envolvida diretamente com o sistema eleitoral. "Nossas eleições são muito caras. Além disso, a população vota em pessoas, o que faz com que todos estejam em competição, até mesmo membros de um mesmo partido", afirma. "Os eleitos já começam o mandato pensando no financiamento de sua campanha, o que passa pela distribuição dos cargos."
O cientista político Mário Sérgio Lepre acha que existe uma necessidade de se reformulações do estado brasileiro como um todo. "Historicamente, o Estado brasileiro é dono de tudo e distribui favores, desde a época das Capitanias Hereditárias", comenta. "A política, no Brasil, é buscar o Estado para si, já que ele direciona a maior parte dos investimentos". Além disso, é importante colocar a pauta de governo acima da política. "Dessa maneira, a base já teria uma vinculação com o propósito gerencial do governo, o que reduziria essa negociação miúda".
Enfrentamento
Para Lepre, o enfrentamento à corrupção passa, necessariamente, pela punição adequada aos corruptos. "Não há um processo célere que, de fato, puna os envolvidos nesse tipo de crime", comenta. Segundo ele, uma resolução interessante para esse caso seria, por exemplo, retirar o ministério do controle do PR. Ainda assim, esse desfecho parece bem pouco provável, já que o planalto dá sinais claros de que não quer se indispor com o partido, que conta com 40 deputados e seis senadores.
De acordo com ele, a situação da presidenta Dilma Rousseff é difícil, já que ela ainda não tem o mesmo respaldo popular que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o que, em tese, dificulta a tomada de decisões que podem gerar conflito com a base governista. No entanto, segundo o cientista político, o próprio Lula perdeu a chance de mudar essa situação, ao ser conivente com essas práticas durante seu governo. "Ele preferiu surfar na onda de popularidade. Faltou vontade política", afirma.
Já para Araújo, o enfrentamento poderia ser perigoso para o governo. De acordo com ele, uma atitude desse tipo não afetaria somente ao PR, mas deixaria instável sua relação com outros partidos, que temeriam algo parecido em seus rincões no governo. "Se ela abrir mão de um partido, terá que abrir mão de todos. E sem maioria, ela não aprova nada", diz.