Na iminência de perder o mandato presidencial para o qual foi eleito, interrompendo um projeto de 16 anos no comando do país, o PT vive uma crise interna devido a divergências sobre como enfrentar a fase final do processo de impeachment e, principalmente, sobre o tipo de oposição que fará ao provável governo efetivo de Michel Temer. Os rumos do partido serão discutidos em encontro extraordinário marcado para dezembro.
Petistas não descartam desembarques após as eleições municipais, seja de alas à esquerda, por insatisfação com uma oposição considerada branda, seja de setores que queiram aderir ao novo governo.
“Se esse grupo mais à direita [do PT] quiser manter uma vida estabilizada com o governo, aí sim deve haver ruptura”, afirmou um integrante da Mensagem, a segunda maior corrente do PT, referindo-se à ala majoritária.
A “vida estabilizada com o governo” é uma referência à declaração do presidente do PT, Rui Falcão, na semana passada, de que o plebiscito sobre a antecipação das eleições é “inviável”.
Essa foi a gota d´água do racha interno, já que o apoio à consulta popular, caso reassuma seu mandato, é o eixo central da carta aberta que a presidente afastada Dilma Rousseff promete divulgar, na tentativa de virar votos no Senado. Alas à esquerda do partido querem insistir no plebiscito mesmo após o provável afastamento definitivo de Dilma.
A declaração de Falcão foi considerada uma evidência de que a cúpula do PT não acredita mais na volta de Dilma e já foca nas eleições de 2018.
“Na situação atual, o nosso dever político é tomar atitude de princípios, e não sermos pautados pelo realismo de conveniência, que nos levou até onde chegamos hoje. Compreendo que o Rui ache inviável, mas acho que o risco de assumir uma posição mais ousada é o que pode nos levar a uma saída que, pelo menos, nos retire desta paralisia burocrática que nos colocou como uma formação política subordinada aos interesses fisiológicos do PMDB, e que nos levou a ter simpatias pela candidatura de Rodrigo Maia [à presidência da Câmara]”, disse Tarso Genro, principal liderança da Mensagem.
Procurado, Falcão não se manifestou.
Apesar das subidas de tom, eventuais dissidências não devem ocorrer antes do fim do ano, por causa da votação final do impeachment e das eleições municipais.
“Qualquer um que se movimente agora vai parecer um rato correndo do navio. E depois tem eleições municipais. Não haverá nada importante antes do fim do ano, afirmou um deputado do PT.
Para o secretário nacional de Formação do PT, Carlos Árabe, que é da Mensagem, se houver dissidências, será de setores que querem manter um canal com o Palácio do Planalto. Auxiliares da presidente Dilma já afirmaram que deputados petistas se desmobilizaram da luta contra o impeachment porque estariam interessados em ter acesso ao governo Temer e a benesses na Câmara.
“O risco existe se uma parte do PT quiser conciliar com o golpe. Da nossa parte, não tem nenhuma ideia de saída. Queremos construir uma hegemonia de esquerda no PT”, disse Árabe.
Em reunião com deputados e senadores do PT, na noite de quarta-feira, o ex-presidente Lula pediu unidade, cobrou a defesa de seu legado e tentou motivar os petistas, segundo relatos de participantes do encontro.
O apoio do PT ao deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que votou a favor do impeachment, para a presidência da Câmara, como forma de derrotar o grupo do ex-presidente da Casa Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também foi fator de atrito entre petistas.
“É completamente contraditório com o movimento Fora Temer as posições que defenderam apoiar a candidatura de Rodrigo Maia (DEM) em nome da derrota do candidato de Cunha. (...) Mergulhar numa dinâmica de negociações com o governo Temer ou sua base política significaria enterrar definitivamente a luta pela sua derrubada”, diz trecho de documento apresentado por Árabe na reunião da Executiva Nacional do partido, na semana passada.
Apesar de defender o plebiscito, de ter ficado contrariado com a declaração de Falcão, e estar há algum tempo reclamando de decisões centralizadas na cúpula do PT, o senador Humberto Costa (PT-PE), que é da ala majoritária do partido, minimizou as divergências internas, afirmando que elas são uma tradição do partido: “Enquanto o Lula for uma força política importante, não acredito em ruptura interna.”