Marcelo Odebrecht foi afastado da presidência da empreiteira após ser preso pela Lava Jato em 19 de junho.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Uma série de e-mails trocados entre Marcelo Odebrecht e executivos afastados do grupo mostra como o empreiteiro usava de sua proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-diretores da Petrobras para tentar obter contratos em outros países. Anexadas aos autos da Operação Lava Jato em dezembro, as mensagens tratam de negócios da Odebrecht na Argentina, Bolívia e Peru.

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Em uma das trocas de e-mails destacadas pela Polícia Federal, Marcelo Odebrecht - afastado da presidência do grupo em novembro, após ser preso pela Lava Jato em 19 de junho - conversa com os executivos do grupo Carlos Brenner, Roberto Prisco Ramos, Márcio Faria e Rogério Araújo. O assunto tratado, negócios da Braskem - petroquímica da empresa em sociedade com a Petrobras - no Peru e uma visita do ex-presidente Lula.

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Para a PF, o documento indica a tentativa de Odebrecht de usar a influência do ex-presidente para fechar o negócio. Quem também participa da troca de mensagens é o ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró e o ex-gerente da estatal Luís Moreira.

Empresa diz que mensagens estão fora de contexto

A Odebrecht informou que mantém “relações institucionais transparentes” com presidentes “de forma condizente com a importância do cargo em benefício de interesses nacionais”. Segundo a empresa, a prática é comum nos EUA e França, cujos chefes de Estado promovem suas empresas na busca por uma maior participação no comércio global.

A Odebrecht diz lamentar “que se repita o expediente de vazamento de mensagens descontextualizadas de ex-executivos da empresa” e afirma que elas “expressam fatos absolutamente normais”, como o fornecimento de subsídios para viagens a países onde empresas mantêm operações. “Tenta-se promover uma leitura maliciosa de mensagens em que o ex-presidente da holding Odebrecht se mantém informado sobre investimentos do acionista. Previsões de mercado são propositalmente confundidas com informações privilegiadas.”

A Braskem afirma que um acordo para a instalação de um polo petroquímico no Peru “já estava em gestação desde antes da visita do ex-presidente Lula ao país”. “O acordo foi efetivamente assinado durante a visita, dentro do rol de acordos bilaterais comum a missões presidenciais.”

O Instituto Lula não respondeu aos questionamentos. Lula já negou “tráfico de influência” em favor da Odebrecht e afirmou que “presidentes e ex-presidentes do mundo inteiro defendem as empresas de seus países no exterior”.

Em 25 de janeiro de 2008, Brenner escreve para Roberto Ramos. “Vi no jornal que o Lula estará em Lima em 5/3 para encontrar-se com Alan García (ex-presidente peruano). O foco é a discussão de relações bilaterais. Já pensou se conseguirmos incluir na agenda a assinatura do MoU???”, diz. O negócio buscado pelo grupo, “MoU”, era um acordo para a instalação de um polo petroquímico no Peru que envolvia a parceria entre Petrobras e Petroperu. O projeto, segundo a Braskem, previa a industrialização de etanol

Cinco dias depois, em 30 de janeiro, Ramos envia a Rogério Araújo - preso na Lava Jato e suposto operador de propinas do grupo - mensagem sobre o caso. “Só para sua informação. O ideal era voltar ao assunto depois do carnaval e ver se conseguimos combinar com nosso amigo Nestor (Cerveró) estar em condições de assinar o protocolo durante a visita de Lula!”

No mesmo dia, Araújo repassa o e-mail de Ramos intitulado “Lula no Peru” a Cerveró - preso pela Lava Jato e delator - com a mensagem: “O que você acha desta estratégia?”.

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Um dia depois, 31, o ex-diretor de Internacional responde a Araújo e copia o ex-gerente da Petrobras em seu e-mail funcional: “Este assunto já foi acertado com o Cesar Gutierrez (presidente da Petroperu) na minha reunião da última semana, quando estive em Lima. Acho boa ideia e vamos andar rápido com o assunto”. A troca de mensagens é copiada para Marcelo Odebrecht. “Apenas para inf. Assunto em evolução.”

Em 7 de fevereiro, o próprio dono da Odebrecht responde aos executivos. “Ótimo. Estes eventos com Lula são bons pois criam um deadline.” O acordo buscado pela Braskem foi assinado durante a visita de Lula.

Argentina

Nos e-mails anexados a um dos inquéritos em que executivos da Odebrecht são investigados, há também a atuação de Marcelo Odebrecht em visita de Lula feita em fevereiro de 2008 à Argentina. No relatório da PF, foi destacado trecho de mensagem enviada por Odebrecht a Henrique Valladares, executivo do grupo, em 4 de fevereiro. “Preciso (de) uma nota sobre Garabi para preparar a ajuda memória final que quero enviar para Lula até amanhã, referente à visita dele a Argentina.” O projeto é o da usina hidrelétrica Garabi-Panambi, a ser construída na fronteira entre Brasil e Argentina.

Marcelo Odebrecht recebe o material e responde: “Roberto (Ramos) Um terço de página apenas ou o cara não lê”. Para a PF, o empreiteiro se referia a Lula. “Pela dimensão e importância dos projetos atualmente em execução e em estudo pela Odebrecht na Argentina, havendo oportunidade, seria importante que o presidente Lula pudesse reforçar, junto à presidente Cristina (Kirchner), a confiança que tem na Odebrecht”, diz outro trecho de mensagem.

Bolívia

Nas mensagens tratando sobre interesses da Odebrecht na Argentina, há referência ao presidente da Bolívia, Evo Morales. “Sugere-se ao presidente Lula comentar com o presidente Evo Morales sua satisfação em relação à boa evolução do projeto.” O negócio de interesse naquele país era um polo de gás químico.

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O encontro entre Lula, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner e Evo Morales ocorreu em 23 de fevereiro de 2008.

O ex-presidente Lula não é investigado na Lava Jato, mas sua atuação em favor de empreiteiras que são alvo da operação tem sido apurada.