E-mails dos executivos da Camargo Corrêa encaminhados ao Cade, órgão antitruste do governo federal, revelam que as empresas já haviam definido os vencedores das licitações de Angra 3 antes mesmo de serem apresentadas as propostas de cada um dos consórcios concorrentes UNA 3 (Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e UTC) e Angra 3 (Queiroz Galvão, Techint e EBE).
Indicações políticas na Petrobras começaram com Lula, diz ex-diretor
Leia a matéria completa“Reformulou-se então a decisão, sendo que após acalorada discussão, o nosso grupo [em referência ao consórcio UNA 3 do qual a Camargo fazia parte] sairá vencedor, escolherá o pacote que lhe interessa e o outro grupo [consórcio Angra 3] levará o outro pacote”, diz a mensagem encaminhada pelo então diretor comercial de Energia da Camargo, apontado no acordo de leniência como “Luiz Carlos”, ao então vice-presidente de Relações Institucionais da empresa, apontado no acordo apenas como “M.S.B”.
O e-mail foi encaminhado em 8 de novembro de 2013, após a reunião entre representantes das sete empreiteiras e 12 dias antes de serem encaminhadas as propostas para a Eletronuclear, que divulgou o resultado do certame dia 27 de novembro.
Estratégia
Inicialmente, segundo o relato da Camargo ao Cade, as empreiteiras discutam a possibilidade de cada consórcio vencer um pacote da licitação, que era dividida em dois pacotes de obras. Contudo, devido as divergências do grupo, de acordo com o histórico de conduta, os executivos acabaram “reformulando” a decisão e definindo que um consórcio se sagraria vencedor dos dois pacotes e abriria mão de um, já que o próprio edital vetava a possibilidade de apenas um consórcio assumir os dois pacotes licitados.
Conforme previsto no e-mail do executivo, o consórcio UNA 3 venceu a disputa dos dois pacotes de obras da usina por um preço 4,98% acima do estabelecido pela Eletronuclear, mas dentro do limite máximo aceitável de até 5% que a estatal previa no edital. O consórcio concorrente, Angra 3, por sua vez, ofereceu preços 0,01% acima do limite estabelecido no edital.
Segundo a Camargo relatou ao Cade, a estratégia de oferecer preços beirando o teto permitido e preços de cobertura foi definida também no encontro de 8 de novembro. “Sob a orientação de Antonio Carlos D´Agosto Miranda [diretor superintendente da UTC], os preços fixados pelos membros do cartel para serem ofertados em cada um dos pacotes, ao final, foram definidos de modo que a proposta vencedora deveria ficar pouco abaixo do limite de até 5% do preço estabelecido como de referência teto, ao passo que a proposta perdedora teria uma diferença da vencedora de até 1%”, diz o histórico de conduta.
Ainda de acordo com a empreiteira, as equipes das sete empresas se uniram para fazer um estudo técnico sobre os preços a serem oferecidos “tamanha era a certeza de que o cartel seria implementado na licitação”. Posteriormente, os dois consórcios de uniram no consórcio Angramon, que dividiu os dois pacotes de obras da usina.
As trocas de e-mails são algumas das provas entregues pela Camargo no acordo de leniência e reforçam a versão dos delatores da empresa, o ex-presidente Dalton dos Santos Avancini e o ex-vice Eduardo Hermelino Leite, sobre o cartel das empreiteiras em Angra 3. Os dois delatores já foram condenados pela Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Quando procuradas sobre o acordo de leniência da Camargo Corrêa com o Cade, no começo do mês, as empreiteiras citadas no esquema negaram irregularidades e evitaram comentar sobre o acordo.
Por meio de suas assessorias, a Andrade Gutierrez e a UTC informaram que não vão se manifestar sobre o caso. A Queiroz Galvão, por sua vez, disse que acredita na idoneidade de todos os seus executivos e reafirma seu compromisso com a ética e a transparência. “A companhia nega qualquer pagamento ilícito a agentes públicos para obtenção de contratos ou vantagens e reitera que todas as suas atividades seguem rigorosamente à legislação vigente.”
A EBE destacou que não tem nenhum executivo envolvido neste processo que está sendo apurado e nem pagou nada a ninguém. “Apesar da desistência de algumas empresas do Consórcio Angramon, continuamos no firme propósito de manter o contrato assinado para a montagem de Angra 3. A EBE montou sozinha a Usina Nuclear de Angra 1 e fez parte do consórcio de empresas que montou Angra 2. A empresa tem larga experiência no setor nuclear e continua com o objetivo de honrar o contrato assinado para Angra 3.”
A Techint Engenharia e Construção reiterou que “segue padrões internacionais de governança e observa estritamente a legislação brasileira”.
Já a Odebrecht informou que nunca participou de cartel para contratação com qualquer cliente público ou privado. “A empresa não teve acesso a documentação constante do referido acordo e se manifestará nos autos do processo tão logo tenha acesso às informações em sua integralidade.”
Deixe sua opinião