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| Foto: Gustavo Lima/Agência Câmara

A Lei de Acesso à Informação é um dos temas polêmicos que devem entrar na pauta do Senado no próximo semestre. Para ampliar o debate antes de o assunto ir para votação, a Controladoria-Geral da União, em conjunto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), promoveu o "Seminário Internacional sobre Acesso à Informação: Desafios de Implementação", na semana passada, em Brasília. Representantes de diversos países dividiram suas experiências na criação de regras de acesso a dados públicos, em uma forma de apoiar o Brasil na definição da lei.

Em entrevista por telefone à Gazeta do Povo, o coordenador de Comu­­nicação e Informação da Unesco no Brasil, Guilherme Canela, falou sobre a importância do acesso livre a documentos públicos. Se a lei for aprovada, o governo terá de ampliar as informações disponíveis. Há dados de gastos públicos, por exemplo, que hoje só são obtidos sem detalhamento ou por meio de parlamentares que têm acesso a um site fechado para o público em geral. "É preciso sair de uma cultura do segredo e partir para uma cultura do acesso", disse Canela.

Qual é a importância de o Brasil aprovar a Lei de Acesso à Informação?

O direito à informação já está inscrito na Constituição Brasileira, o que é até uma inovação. Mas, por outro lado, desde que a Constituição foi aprovada, em 1988, o Brasil nunca definiu as regras do jogo para a implementação da política de acesso, ou seja, para garantir esse direito que já está expresso. A importância de se ter uma lei geral de acesso à informação, que é a lei que está em debate no Senado Federal, é antes de tudo para definir as regras do jogo do acesso.

O Brasil é um dos poucos países que não têm uma lei regulamentando o acesso à informação. O que a população perde com isso?

Esse tipo de política gera uma série de benefícios para a população. Benefícios de transparência e de garantia dos outros direitos. Por exemplo: uma pessoa que tenha a matrícula do seu filho recusada numa escola e quer pedir uma informação oficial de porque isso aconteceu. Nesse momento, ela vai ter de contar com a boa vontade do funcionário para ter essa informação. Não existem as regras claras para esse assunto.

A população mostra interesse em buscar essas informações nos países que já as disponibilizam?

Eu acho que a melhor forma de constatar a importância desse tipo de legislação é olhar para o volume da demanda em outros países. Por exemplo, no seminário, a representante do governo norte-americano disse que eles recebem cerca de 600 mil demandas por ano por meio da lei. A representante do México conta que desde que a lei foi aprovada, no início dos anos 2000, eles receberam quase 700 mil pedidos de acesso à informação. Na Tailândia, há um número semelhante. Esses dados demonstram que há interesse da população em usar as regras de acesso à informação para conhecer os mais diversos assuntos relacionados à sua vida cotidiana. No caso da Índia, a lei foi e está sendo muito usada no combate à corrupção. Então, as consequências e os impactos podem ser de várias ordens.

No caso de informações antigas, como no caso da Guerra do Paraguai, alguns senadores temem a exposição de dados que comprometam o país. Como esse tipo de documento é tratado nos países que já regulamentaram a lei?

Dos 90 países que têm lei de acesso, a imensa maioria tem regras de raras exceções, como em casos de informação de soberania nacional, informações relacionadas a questões de defesa ou a relações internacionais. Mas a maioria desses países também tem limite de anos pelos quais essas informações podem ser mantidas secretas. Então, não se permite que você mantenha as informações secretas para sempre, como parece que uma minoria de parlamentares tem defendido. Nesses países, quando essas informações sensíveis depois de 20, 30 anos são reveladas, não tem acontecido nenhum cataclismo ou nenhum problema para a democracia. Então, me parece que não é algo que deva ser alvo de preocupação. É importante relembrar que é possível, dentro do próprio sistema internacional, manter algumas exceções. Mas essas exceções devem ser mantidas por um tempo finito. Se são 20, 30 anos, isso varia de país para país. O que não existe no cenário internacional de maneira significativa é manter informações sob sigilo para sempre.

No caso dos documentos da ditadura, pode existir um conflito com os militares. Como lidar com as divergências de diferentes grupos em relação à lei?Esse tipo de conflitos e tensões existem em todos os países. O importante é que as regras do jogo estejam claras. Então, os arquivos relativos a questões militares serão classificados com um grau de sigilo e isso tem de estar expresso na lei, seja em qualquer país. A recomendação do sistema internacional, se for o caso de essa exceção ser uma exceção razoável, é de que o tempo pelo qual esse arquivos serão mantidos secretos e, portanto, longe dos olhos da população, seja finito, conhecido na própria lei.

No caso brasileiro, como seriam essas exceções?

No caso do projeto que está no Senado, a proposta é que os arquivos ultrassecretos, que é o último nível de classificação, podem ser mantidos secretos por 25 anos e, se houver a decisão de uma comissão, eles podem ser renováveis por no máximo mais uma única vez. O que na prática significa que o tempo máximo de guarda de um arquivo que se encaixe nas exceções que estão previstas na lei é de 50 anos.

Nesse seminário, um dos principais temas discutidos é a questão dos desafios para a implementação, com base no que aconteceu em outros países. Quais seriam esses desafios?

Os principais desafios são da ordem de mudança cultural, de mudança de mentalidade nos funcionários públicos. É preciso sair de uma cultura do segredo e partir para uma cultura do acesso. E isso não é uma coisa trivial de se fazer. Demanda qualificação, demanda capacitação, uma série de questões. Um segundo desafio que se verifica em vários países é relacionado aos sistemas de implementação. Como se vai garantir essa implementação da maneira mais fácil, por meio do uso da internet. Há um terceiro desafio importante que é relacionado às políticas de arquivos. Você não pode oferecer uma informação para o cidadão que você não tenha arquivada antes. É super-relevante e central que os governos tenham um bom sistema de gerenciamento de suas próprias informações, para que um dia, se elas forem solicitadas, possam ser entregues ao cidadão. Outra questão fundamental é que o volume de acessos da informação, se ele foi muito grande, acaba gerando um custo de implementação razoavelmente elevado. Nos Estados Unidos, por exemplo, a representante que está aqui mencionou que o custo anual de implementação deles é da ordem de U$ 300 milhões. Mas, para que esse custo seja diminuído, é preciso ter outro elemento que se chama de transparência ativa. Ou seja, o governo não precisa esperar o cidadão pedir a informação. Ele cada vez mais se preocupa em deixar a informação previamente disponível em seus sites. Esses são os maiores desafios de implementação de leis de acesso.

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