Interessante. O segundo turno da eleição presidencial brasileira de 2010 tinha tudo para ser mais vibrante do que o primeiro. A simples redução de toda aquela "muvuca" falamos das centenas de sorridentes candidatos e seu rosário diário de nomes, números, ideias e bobagens , somada à percepção de que a biografia dos pleiteantes que chegaram ao dia 31 de outubro possui um mínimo de substância, forneciam a esperança de uma campanha legal. Embalada por propostas para um país cheio de vontade de evoluir e se afirmar no mundo.
Santa ingenuidade! O que vimos na tevê, rádio e internet, nas últimas semanas, foi um processo arrastado, pesado, tóxico e cansativo, pautado pelo maniqueísmo, por acusações de corrupção e pela emergência de um discurso conservador há muito não visto na realidade política brasileira. Ainda que toda a campanha política exija certos sacrifícios ao pleiteante de comer buchada de bode a se afirmar devoto deste ou daquele santo, mesmo sem ser católico , nos pareceu que, em nome dos votos, os candidatos acabaram envolvidos em estranhas demonstrações de virtude.
É evidente que temas como o aborto e o "casamento gay" são relevantes e devem ser colocados em discussão; jamais, porém, deveriam dominar a cena com tamanha intensidade, nem as discussões deveriam ser levadas a efeito (muito menos por um candidato à Presidência da República) tendo como elementos a perplexidade, a santarronice e o desejo de escândalo. Esse direcionamento falamos, aqui, mais como eleitor do que como analista da mídia da eleição parece apenas indicar um desejo de poder capaz de atropelar os próprios princípios. O que, cá para nós, é o supremo horror.
O enfado com a campanha recrudesceu diante da insistência com que os candidatos apelaram às comparações. Ainda que isso fosse o esperado em uma campanha em que os concorrentes representam grupos políticos semelhantes e associados ao poder em tempos recentes, a coisa, no final das contas, cansou, até mesmo porque os discursos acabaram por se revestir de um tom excessivamente personalista.
Em síntese: naquela que é a mais importante das campanhas presidenciais (em uma jovem democracia, a eleição mais recente é, sempre, a mais importante), ficamos com a impressão de que, em termos de convencimento do eleitorado, as coisas poderiam ter sido conduzidas de forma um pouco diferente. Com menor apelo ao escândalo e maior apelo à razão.
Rodrigo Wolff Apolloni é jornalista e editor do blog "Interrompemos nossa programação...", da Gazeta do Povo
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