Criadas para garantir a segurança no manuseio de dados sigilosos, as senhas do sistema da Receita Federal eram frequentemente compartilhadas na unidade fiscal de Mauá (SP), segundo relataram à Corregedoria Geral da Receita os próprios servidores do órgão.
Nesta sexta (27), o secretário nacional da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, admitiu pela primeira vez a quebra de sigilo, mas descartou motivação política ou eleitoral e disse que o episódio não passou de "simples mercantilização" de informações.
Dez depoimentos à Corregedoria Geral da Receita revelam a rotina de trabalho no prédio de número 35 da rua José Caballero, onde foram supostamente violados os sigilos fiscais do vice-presidente executivo do PSDB, Eduardo Jorge, e de mais três integrantes do partido, em outubro de 2009.
Pelo menos quatro funcionários, segundo o relatado aos interrogadores, teriam acesso à senha utilizada para acessar os dados.
Suspeitas de envolvimento no caso, as servidoras Antonia Aparecida Rodrigues dos Santos Neves Silva, então gerente da unidade do ABC Paulista, e Adeildda Ferreira Leão dos Santos, subordinada a Antônia, apresentaram versões diferentes aos interrogadores, quando provocadas a explicar a forma como eram utilizadas e armazenadas as senhas de acesso individual ao sistema da Receita.
Segundo a investigação da Receita, foi a partir do computador de Adeildda que, no dia 8 de outubro de 2009, em um intervalo de 15 minutos, a partir de 12h31, todo os dados das declarações do imposto de renda de Eduardo Jorge, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Marin Preciado foram acessadas. A senha que permitiu o acesso aos dados no computador de Adeildda era de Antônia.
Mendonça foi ministro das Comunicações do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Ricardo Sérgio foi diretor do Banco do Brasil na gestão tucana e Preciado é casado com uma prima do presidenciável José Serra.
Como álibi, Adeildda apresentou em sua defesa a própria certidão de casamento para sustentar que havia deixado o serviço mais cedo no dia 8, por volta de 11h50, para almoçar com o marido e comemorar o aniversário de casamento. Ela sustenta que não estava no computador quando os dados foram violados.
Questionados pelos interrogadores, nenhum dos nove servidores ouvidos pela Corregedoria da Receita confirmou a versão do suposto almoço de aniversário de casamento de Adeildda.
Compartilhamento de senhasEm depoimento ao presidente da Comissão de Inquérito que investiga o caso na Receita, Levi Lopez, na tarde de 27 de julho, Adeildda disse ter recebido da própria Antônia a senha de acesso "em razão da grande demanda de serviços relativos a atendimento de ofícios judiciais".
Para Adeildda, a chefe não era cuidadosa com a segurança de suas senhas. "Percebeu que no risque-rabisque de Antônia haviam várias anotações as quais confrontadas com um dos papéis que recebeu com a identificação da senha de Antônia, entendeu que a servidora Antônia anotava suas senhas no risque-rabisque", diz o documento.
Na manhã do mesmo dia 27, Antônia prestou depoimento no qual relatou uma versão diferente para a forma como armazenava as senhas. "Questionada se memorizava as senhas ou usava o recurso de anotá-las em algum local, respondeu que as memorizava", registra Antônia no depoimento de quatro páginas.
Ainda segundo Adeildda, além dela, outros dois servidores da unidade fiscal de Mauá teriam acesso à senha da chefe: a servidora Ana Maria Rodrigues Caroto Cano, que trabalhava no protocolo e arquivo da repartição, e o então chefe substituto da unidade Sérgio Antônio Rodrigues Júnior. Interrogado no dia 29, no entanto, Sérgio negou ter utilizado a senha: "Perguntado se Antônia forneceu-lhe alguma senha, respondeu que nunca."
De acordo com os depoimentos, Adeildda também admitiu ter pouco cuidado com o sigilo de seus acessos pessoais. "Deixava as suas senhas de Windows e sistemas informatizados da Receita anotadas em uma agenda que ficava sobre a mesa e a senha recebida de Antônia escrita em papel era guardada na gaveta (...) Que por duas vezes sua gaveta, local onde guardava seu certificado digital, foi encontrada aberta, com o certificado guardado em posição diferente."
Segundo a papelada reunida pela Corregedoria da Receita, na unidade fiscal de Mauá trabalham 19 servidores. Além de Adeildda e Ana Maria, também a servidora Ana Beatriz da Silva Gappo admitiu ter acesso à senha da chefe.
Segundo Ana Beatriz, que atuava no atendimento ao público havia dois anos, "em razão de doença da filha da servidora Antônia, a qual ausentou-se por aproximadamente três dias, solicitou à depoente, mediante o fornecimento do smart card e da senha, que verificasse as mensagens no correio eletrônico".
Fato aparentemente raro na unidade fiscal de Mauá, Hamilton Mathias foi um dos servidores que afirmou não possuir a senha de Antônia. Ele, no entanto, sabia que outras colegas tinham a senha da chefe.
Questionado pelos interrogadores se teria ligações políticas com partidos, Hamilton foi o único a admitir relações com membros de legendas partidárias. "Não é filiado, mas por residir em cidade pequena, Ribeirão Pires (SP), conhece o prefeito, que é filiado ao PV, o vice-prefeito e outras pessoas filiadas a partidos políticos diversos."
Diogo de Almeida Lopes atuava na área previdenciária à época dos fatos. Ele negou conhecer a forma como Antônia e as demais colegas de trabalho compartilhavam as senhas, mesma versão sustentada por Rodrigo Fraga, que trabalhava na área de parcelamento e atendimento ao público, e de Júlio Cezar Bertoldo, então lotado na área de atendimento.
NotaEm nota emitida nesta sexta-feira (27), Antônia afirma que o compartilhamento da senha "deu-se única e exclusivamente em função do volume de trabalho" e que a repercussão do caso "trouxe transtornos" à sua família.
Ela nega ter acessado irregularmente os dados fiscais dos contribuintes envolvidos no caso. Antônia também diz que está disposta a abrir seus sigilos bancário e telefônico para comprovar sua inocência.
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