Qual é o caminho?
- José Fernando Macedo, presidente da AMP
"Prover o estado com bons hospitais"
Os desafios são muito grandes. O Paraná precisa arrumar recursos para investir nos hospitais que atendem a rede pública. Alguns hospitais estão prontos, mas faltam equipamentos e bons profissionais, que sejam bem remunerados para se fixarem. É preciso que as cidades da região metropolitana de Curitiba construam um pronto-socorro, unidades de terapia intensiva, que realmente invistam na saúde para que a capital não fique sobrecarregada. Os investimentos do estado na área precisam somar os 12% exigidos na Constituição e, se possível, mais ainda. Temos de acabar com essa história ambulância-terapia, que é colocar a pessoa em uma van ou ônibus e mandar para as grandes cidades. Os prefeitos têm de ter responsabilidades; cada um tem de cumprir com seu papel. Mas, para isso, o estado tem de ser bem dividido e provido de hospitais regionais que funcionem adequadamente.
Quem frequenta ou acompanha a realidade dos postos de saúde e dos hospitais públicos sabe que o cenário se assemelha a uma guerra. Na capital ou no interior, há muitas filas, faltam médicos, equipamentos e medicamentos. Os grandes centros são invadidos por ambulâncias de pequenas cidades, transportando pessoas em busca de tratamento. Os problemas estão espalhados por todo o Brasil e são de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios.
Mas o próximo governador do Paraná tem condições de fazer uma revolução na saúde, independentemente da vontade dos prefeitos ou do presidente da República que for eleito.
Para começar, quem for escolhido pelos paranaenses precisa ter o compromisso de investir 12% da receita corrente líquida do estado com ações na área de saúde, sem artifícios contábeis. Esse porcentual é obrigatório para os estados, de acordo com a Emenda Constitucional 29, de 2000. Mas a falta de regulamentação dela criou brechas que são aproveitadas por vários governadores em todo o país. Recursos destinados para outras áreas algumas correlatas, como saneamento e complementação alimentar, e outras bem distintas, como pagamento de folha de pagamento são usados para "engordar" o investimento em saúde.
Por causa dessa "maquiagem", o Paraná deixou de aplicar R$ 2 bilhões em saúde entre 2000 e 2007. A estimativa é do Ministério Público Estadual, que propôs cinco ações contra o governo estadual. A maior parte das falhas ocorreu na gestão de Roberto Requião (PMDB), mas atinge também a de Jaime Lerner. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TC), a situação voltou a se repetir em 2009, quando foram aplicados apenas 9,94% em saúde o governo sustenta que o porcentual foi de 12,08%, com a inclusão de despesas adicionais.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), a maioria dos governadores descumpre a Emenda 29: em 2006, 18 não seguiram a regra; no ano seguinte, 17. Os dados mais recentes, informados pelos próprios gestores, ainda não foram auditados. E a situação não deve mudar tão cedo.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, reconhece a importância do tema, mas diz que não há vontade política para debater o assunto em ano eleitoral segundo ele, é preciso reativar uma fonte de financiamento para a Saúde, como foi a extinta CPMF. "O calendário não ajuda, ninguém está querendo discutir uma nova fonte ou a criação de um novo imposto. A sociedade rejeita, os parlamentares estão atrás de votos, e não de sarna para se coçar. Vamos esperar baixar a bola, acabar o período eleitoral", declarou Temporão na quinta-feira, durante uma reunião política em Curitiba.
Mas a ideia do ministro deve encontrar forte resistência dentro da área da saúde. O presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), José Fernando Macedo, rechaça qualquer iniciativa de criar imposto para financiar o setor. "Não é necessária uma nova CPMF. Já pagamos muito imposto."
Para ele, o principal problema do financiamento é a falta de vontade política. "O próximo governador precisa reunir a bancada e pressionar pela regulamentação da Emenda 29, que obriga o governo federal a aplicar 10% da sua receita em saúde, o que não ocorre hoje", diz Macedo (além dos 12% dos estados, a Emenda 29 exige que a União invista 10% da receita em saúde e os municípios, 15%).
Os dois principais candidatos ao governo do estado Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT) afirmam que vão aplicar os 12%. Osmar diz, entretanto, que a regulamentação da emenda é fundamental para definir os critérios de investimento.
O coordenador do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFPR, Paulo de Oliveira Perna, diz que os políticos não estão se comprometendo com esse debate. "Até hoje há essa discussão porque, embora uma série de coisas resultem na melhoria de saúde, não são de responsabilidade direta da saúde. O saneamento básico, a suplementação alimentar são importantes, mas não são de responsabilidade direta da saúde. A questão não tem sido enfrentada corretamente. Precisa do envolvimento dos governantes", avalia .
Mão de obra
Outro desafio do novo governador será aumentar o contingente de trabalhadores na área de saúde. De acordo com Perna, a regionalização do atendimento mais especializado exige um determinado número de profissionais de diversos setores. "Em muitas localidades não há a presença de um especialista em toxicologia clínica. Isso é muito grave em um estado como o nosso, que tem o maior índice de uso de agrotóxicos do país", avalia. Ele defende mais qualificação.
De acordo com a presidente do Conselho Estadual de Saúde, Joelma de Souza Carvalho, faltam muitos profissionais em todo o estado. "Tivemos a construção de vários hospitais, mas não há recursos humanos suficientes para o atendimento. Precisamos planejar melhor, programar concursos, saber com que tipo de profissional vamos atuar."
Atenção básica tem de ser priorizada
Apesar da gravidade do atendimento de saúde especializado, o foco do poder público deve ser o investimento em ações de prevenção e na atenção básica da comunidade. Esse é o caminho a ser seguido pelo próximo governador do Paraná. "A atenção básica é fundamental porque, se não houver prevenção, o custo financeiro e social para cuidar da doença lá para frente será muito maior", avalia Joelma Carvalho, do Conselho Estadual de Saúde (CES).
Um dos programas fundamentais para isso é o programa federal Saúde da Família, no qual equipes multiprofissionais baseadas nos postos de saúde são responsáveis por um número definido de famílias em determinada área.
Atualmente, o Saúde da Família no Paraná cobre 54% da população. "Mas o programa não funciona como deveria. Hoje as pessoas vão até o posto de saúde e, como não há o acompanhamento devido do quadro clínico, elas já são encaminhadas para um especialista. Muitas vezes não há essa necessidade, e isso acaba apenas por aumentar a fila de espera", relata Joelma.
Segundo Francisco Batista Júnior, do Conselho Nacional de Saúde, o número de equipes e de profissionais precisa ser ampliado. No Paraná, há 1,7 mil grupos, o equivalente a um por 6.047 habitantes um pouco melhor do que a proporção no Brasil (6.483) e na Região Sul (6.158). O ideal é de uma equipe por 4,5 mil moradores. "Não há postos multiprofissionais onde a pessoa pode conversar com o nutricionista, com o psicólogo ou com o farmacêutico. As pessoas precisam fazer uma bateria de exames para saber com antecedência se há algum risco, por exemplo, de ter um acidente cardiovascular no futuro."
Para o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, o país sofre da síndrome de "cobertor curto" e por isso tem dificuldade em investir mais em atenção básica. "Se eu coloco dinheiro na atenção básica, falta na alta e na média [complexidade]. Se eu coloco dinheiro na alta e na média, falta na básica. Sem a aprovação da [regulamentação da] Emenda 29, vai ficar difícil."
Confira as propostas dos candidatos para a área de saúde:
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