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Imagem de 1970, quando Dilma foi presa por participar da luta armada: talento para formação política e para dar apelidos | Reuters
Imagem de 1970, quando Dilma foi presa por participar da luta armada: talento para formação política e para dar apelidos| Foto: Reuters

Ela foi a "papisa da subversão"

Agência O Globo

Luísa, Wanda, Stela, Marina, Ma­­ria Lúcia. Os militares abandonaram os codinomes de Dilma Vana Rousseff Linhares, em 1970, para chamá-la de Joana D’Arc ou Papisa da Subversão. "A figura feminina de expressão tristemente notável", que "ingressou nas atividades subversivas em 1967" e "jamais esmoreceu", dizem os autos do processo 366/70, guardados em um cofre do Superior Tribunal Militar (STM) du­­rante as eleições, com acesso negado até a Dilma, para, segundo os militares, não tumultuar o processo eleitoral.

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Entre um cigarro e outro, a socióloga Maria do Carmo Brito, de 68 anos, deixa escapar uma ironia sobre a Política Operária (Polop), a primeira das organizações de esquerda nas quais militou nos anos 60. Um congresso da entidade, recorda-se, repetindo as críticas dos adversários do passado, caberia dentro de um Fusquinha. "E agora, quem diria, a Polop chega ao poder." Lia – codinome dos tempos de guerrilha que Maria do Carmo conserva até hoje – refere-se ao poder recém-conquistado por Dilma Rousseff, que debutou na militância política na incubadora mineira da Polop.

Dados levantados pelo sociólogo Marcelo Ridenti, da Unicamp, sobre o número de militantes da luta armada processados entre 1960 e 1970, estimam que a Polop reuniu em torno de 80 membros. Dilma era um deles. Entrou para a organização quando era secundarista e a seção mineira da Polop gravitava em torno da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Mas o que teria restado daquela Dilma militante e guerrilheira, que depois da Polop passaria por mais duas organizações perseguidas pelo regime, antes de ser torturada e recolhida ao Presídio Tiradentes, em São Paulo?

Dilma manteve as amizades daqueles tempos e ainda se emociona ao citar companheiros que tombaram nas lutas, como Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, e Maria Auxiliadora Lara Barcelos, a Dodora. Porém, examinando apenas a linha de ação adotada hoje pela ex-guerrilheira, Ridenti, sustenta que Dilma faz, no poder, exatamente aquilo que a Polop contestou e combateu no passado. "Ela de­­­­fende um desenvolvimento im­­pulsionado pela burguesia nacional e pelo subproletariado (a camada de baixíssima renda), algo que eles tanto criticavam". observa.

Para a Polop, que acreditava na Teoria da Dependência, a economia do Terceiro Mundo se desenvolvia comprometida com a expansão do capitalismo comercial europeu. "Dizíamos que essa expansão teria sempre um lado subordinado e outro dominante", recorda-se o economista Theotônio dos Santos, guru da Polop que fez os olhos de Dilma e seus companheiros brilharem, em 1966, com as suas pregações sobre a Teoria da Dependência.

País industrial

Do ponto de vista teórico, a Polop formulou uma alternativa ao PCB. Criticava a visão, vigente entre as esquerdas da época, de que o atraso era consequência do fenômeno das relações pré-capitalistas e feudais. Achava que, ao contrário, o país já estava num estágio avançado de modernização industrial – razão pela qual repelia a criação de focos da luta armada no campo. Mas o grupo de Dilma padecia da indecisão entre fazer ações guerrilheiras ou ações de massas (organizar os trabalhadores). E a inquietação da juventude, principalmente os alunos da UFMG, acabou rachando a Polop e deu origem aos Co­­mandos de Libertação Nacional (Colina) e, posteriormente, à Vanguarda Armada Revolucio­nária Palmares (VAR-Palmares).

Ex-comandante da VAR, nascida da fusão dos Colina com a Vanguarda Popular Revolucio­­nária (VPR), Maria do Carmo busca recordações menos teóricas para lembrar a militante que conheceu em 1969, no Rio, depois da prisão de um grupo importante dos Colina em Minas. Embora pareça paradoxal, foi na clandestinidade que Dilma começou, lentamente, a abandonar a aparência de nerd dos anos 1960. "Como Dilma tinha cabelos anelados, era muito esguia e usava óculos pesados, Iara Iavelberg (legendária companheira do capitão Carlos Lamarca) sugeriu cabelos curtos, para realçar os olhos, e outra armação. E assim ela o fez", lembra-se.

Ex-Colina, o médico Jorge Nahas, atual secretário de De­­senvolvimento Social de Belo Horizonte, faz outra revelação curiosa sobre a trajetória de Dilma na luta contra a ditadura. "Dilma sempre trabalhou na infraestrutura, como divulgação, formação e política. Desde cedo, mostrou perfil de dirigente e sofreu com um ranço machista das organizações de esquerda", comenta.

Marcinho Godard

O talento para apelidar pessoas, apesar das circunstâncias dramáticas do período, foi outra característica que Dilma mantém viva até hoje. Márcio Borges, um dos inventores do Clube da Esquina, amigo de Dilma que não quis aderir à Polop, preferindo a música, conta que, recentemente, ambos se reencontraram para um café temperado por recordações na Savassi, em Belo Horizonte.

"Ela se lembrou de um apelido que pôs em mim: Marcinho Godard, porque eu adorava os filmes do diretor francês", conta.

Hoje professor emérito da UFF, Theotônio dos Santos, de 72 anos, elogia a Dilma da atualidade pela fidelidade histórica que sobrevive aos tempos. "Dilma não rejeitou as lutas que realizou na ditadura. Numa situação ditatorial, elas se justificavam. Isso revela uma postura combativa, muito democrática. Ser torturada e viver na clandestinidade é uma vitória pessoal muito grande."

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