Lina Vieira
Suspeitas de aparelhamento desde 2009
As suspeitas de um possível uso político da Receita Federal começaram no ano passado, quando a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira acusou a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de ter solicitado mais "agilidade" nos processos que envolviam Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Na época, a presidenciável disse que nunca havia tratado do assunto em qualquer reunião reservada com a servidora. Imagens de segurança que poderiam comprovar a presença de Lina em uma audiência no Palácio do Planalto não foram encontradas.
As suspeitas de ingerência política na administração do órgão provocaram protestos e 32 pedidos de exoneração. Apontada como um dos pontos fortes da administração federal em eficiência, a Receita passou a ser tratada como nova referência de aparelhamento ideológico do governo. Os rumores cresceram nos últimos meses, com a quebra ilegal do sigilo de membros do PSDB e de Verônica Serra.
"É claro que temos consciência de que não se governa com inimigos. Mas as indicações partidárias devem se restringir aos órgãos decisórios do Poder Executivo. Mas aparelhar pontos centrais da burocracia, como a Receita, é maléfico em vários sentidos, inclusive no da eficiência", diz o cientista político João Paulo Peixoto, da Universidade de Brasília.
Para ele, o aparelhamento ideológico da burocracia desencadeia um processo de discriminação. "Ao criar uma barreira partidária, você limita a cidadania porque se dedica a vigiar este ou aquele. É a negação do princípio fundamental da democracia." (AG)
Começou com um caseiro, passou pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) até chegar à filha de um candidato ao Palácio do Planalto. Escândalos nacionais que envolvem agentes do Estado em transgressões ao direito constitucional à privacidade têm se repetido nos últimos quatro anos no Brasil. E a impunidade colabora para que não haja perspectiva de que eles acabem.
Em março de 2006, Francenildo Costa, caseiro de uma mansão em Brasília, teve violado o sigilo de uma conta bancária na Caixa Econômica Federal. Seis meses depois, a Polícia Federal concluiu que a violação foi feita a mando do então ministro da Fazenda, Antônio Palocci. A intenção seria mostrar que Francenildo tinha recebido dinheiro para denunciar a presença de Palocci em festas promovidas por lobistas na casa em que trabalhava.
No ano passado, o STF arquivou o pedido de abertura de investigação contra o ex-ministro feito pelo Ministério Público Federal. Após a votação, que acabou em 5 a 4, o ministro Marco Aurélio Mello desabafou. "A corda sempre estoura do lado mais fraco", disse.
Até os "mais fortes", no entanto, sofrem com abusos. Em 2008, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, teve gravada ilegalmente conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O grampo teria sido feito por alguém ligado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas a investigação não identificou qualquer suspeito.
Na semana passada, foi a vez de Verônica Serra, filha do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, virar protagonista de um novo crime contra a privacidade. O contador Antonio Carlos Atella Ferreira assinou uma procuração falsa, com a qual foram violadas informações sigilosas de Verônica junto à Receita Federal. O caso ocorreu em 2009, mas só foi divulgado terça-feira. O PSDB afirma que o PT estaria coletando informações para usar na eleição; o PT nega.
"A gravidade não está no parentesco ou na posição social de quem foi atingido, mas na falta de garantias a todos os cidadãos", diz o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Mozart Valadares. Para ele, além da punição judicial, é necessário que o Estado seja mais rápido nas sanções administrativas, como afastamento e demissão dos envolvidos. "O próprio secretário da Receita [Otacílio Cartaxo] admitiu que a quebra de sigilo ocorreu de forma fraudulenta. Independentemente de estarmos ou não em um período eleitoral, a sociedade espera uma resposta mais eficaz."
Na mesma linha, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, diz que a sucessão de crimes contra a privacidade é fomentada pela falta de punições. "A impunidade é o fermento desse tipo de desvio." Segundo ele, é preciso preservar a imagem do Estado democrático de direito como uma figura "libertadora" e não "opressora".
O professor de ética e filosofia política da Universidade de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, explica que a burocracia é o núcleo central das democracias modernas. E que os dois eixos que regem uma burocracia autônoma aos governos são a hierarquia e o sigilo. Para Romano, ambos foram afetados nos escândalos recentes.
"O que você tem em comum em todos esses casos é uma desobediência do escalão inferior da burocracia e uma falta de penalização da superior." O professor também alerta que o maior risco da violação de sigilo fiscal é afetar a legitimidade da arrecadação de impostos.
Na opinião da professora Vera Karam Chueiri, do Núcleo de Estudo de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná, é perigoso focar a questão sobre um aspecto político-eleitoral. "Estamos em um período sensível, mas a situação precisa ser investigada como um vício maior. Digamos que o crime é um fato plantado. Ou que ele realmente aconteceu. Para evitar distorções, esse deve ser um tema de Estado."